domingo, 12 de junho de 2011

Webdahora (agora? já foi!)



Leia bem a data deste post, aí em cima: 12 de Junho de 2011.  E este texto é um resumo da apresentação que fiz no Ruth Cardoso no último sábado do mês passado. 
Por que tanta preocupação minha em fixar o tempo deste post? Porque trata-se de um instantâneo do momento. Dentro de algumas semanas muito pode acontecer e o que tornou relevante estes cases pode já estar superado. 
É que o assunto é internet, a terra da rapidez, do efêmero, do será tudo e já passou. Webdahora é o nome da mostra que apresentei, com um retrato dos casos mais recentes de utilização inteligente da web, para exibir e produzir animação. 
O que segue pode tornar-se clássico ou ser esquecido na próxima curva ilusória do tempo. Deus, que é a Verdade, sabe melhor disso. As estatísticas, como sempre, duvidam. 


Então vamos nessa:


ENCONTRAR QUEM QUER LHE ENCONTRAR:

Com Vimeo, YouTube, Dailymotion e outros sites de publicação de filmes, e destaques em blogs como Cartoon Brew, muitos novos autores estão encontrando mais destaque e público para seus filmes, e mais rapidamente, do que através do tradicional circuito de festivais. Além de ser muito mais fácil fazer o upload de um filme, do que preencher as longas fichas de inscrição, gastar dinheiro com correio e cópias. Claro, se você ganhar um prêmio em um festival, a atenção para seu filme está muito mais garantida do que perdida no meio do dilúvio dos sites de conteúdo. Então colocar o filme na internet e inscrevê-lo em festivais são coisas complementares. Há quem diga: quanto mais janela, melhor. Especialmente se você é um novo autor, fazendo curtas metragens que não vão ter mesmo retorno financeiro de distribuição e cuja principal meta é apenas divulgar seu estilo, ideáis e trabalhos, para ser conhecido no meio-artístico. 

Por exemplo: 

Matthias Hoeggalemão de Munich, nascido em 1983. Mudou-se para a Inglaterra em 2003, para estudarilustração e animação na Kingston University. Trabalhou em diversos estúdios até ingressar no Royal College of Art, em Londres, para dirigir seus próprios curta-metragens. Seu primeiro filme, August, foi concluído em 2009. Em 2010, lançou seu filme de graduação, Thursday. Ambos filmes podem ser encontrados e assistidos na internet. Ainda em Londres, Hoegg atualmente é diretor no Studio Beakus.


Nick Di Liberto, canadense de Hamilton, Ontario. Apaixonado por animação tradicional. Fez e colocou para circular na web seu filme Medusa. O curta foi totalmente desenhado a mão, usando apenas lápis e papel. Aliás, pela qualidade da animação, muito lápis e muito papel. As cores são digitais. O filme circulou rapidamente o mundo via web, chamou a atenção do outro lado do mundo e Di Liberto, neste momento, deixou a tundra canadense e está trabalhando no Japão, para uma emprêsa de vídeo games.

Matt Reynolds, americano estudande de Artes e Cultura Visual no Bates College, em Lewiston, Maine, Estados Unidos. Também estudou stop motion em Rockport, Maine, e produção 16mm na escola FAMU, em Praga, República Checa, tradicional origem dos filmes clássicos dos mestres em puppets em stop motion, Jiri Trnka e Jan Svankmajer. Os filmes de Reynolds tem um ritmo muito peculiar para contar histórias ainda mais peculiares. Poderiam estar classificados na categoria "esquisitos" ou "muito estranhos". Graças à internet ele está encontrando toda uma tribo de espectadores peculiares, espalhados pelo mundo, que admiram e entendem a esquisitice de filmes como At the top of the tallest mountain in the world, que eu aliás adorei. Na quarta vez que vi, ainda estava descobrindo coisas novas. Reynolds considera o diretor David Lynck e o animador checo Svankmajer suas maiores influências. Faz sentido.
Aliás, uma observação: Não vou postar aqui os links dos filmes. Por favor, não é difícil encontrar. Dê um copy paste nos títulos e nos nomes dos autores que rapidinho um robô gratuito da web faz esse serviço pra você.


FALAR LIVREMENTE:
Outro uso bacana da web é permitir o acesso a filmes que por uma razão ou outra foram censurados ou banidos das suas mídias tradicionais. Aliás, essa pode ser até mesmo uma estratégia de propaganda para um trabalho; ter uma segunda versão mais polêmica ou com cenas cortadas, que vão atrair a atenção de internautas. 

É mais ou menos o caso dessa animação de abertura da série The Simpsons, que só pode ser vista na web. Escrevo "mais ou menos" porque nenhuma versão da história de por que ou como foi feita essa abertura, realmente me convenceu. Mas uma coisa é certa: levantou a peteca do seriado da família amarela de Springfield.
O criador dessa sequência de abertura é um artista igualmente polêmico e de biografia incerta: Banksy. Inglês nascido em Bristol, em 1975. Na pré-adolescência foi expulso da escola e preso por pequenos delitos. Iniciou sua carreira de artista plástico grafiteiro com 14 anos de idade. Sua identidade é incerta. Não se encontram fotos ou informações muito precisas sobre ele. Reza a lenda que nem sua família sabe que ele seria o tal grafiteiro famoso. "Eles pensam que sou um decorador e pintor de paredes", teria contado Banksy. Ativista declarado, uma de suas principais marcas é a criação de pequenas intervenções que geram grandes repercussões.
Na abertura dos Simpsons atribuída a ele, seu nome aparece pichado duas vezes, no início da sequência; na parede da escola e em um outdoor. O filme percorre Springfield e acompanha seus moradores tipicamente americanos e consumistas, para terminar em algum lugar na China, onde trabalhadores reduzidos à condição de escravos do governo, produzem os filmes e o merchandising da própria série, cercados de trabalho infantil e destruição do meio ambiente. Em pouco menos de dois minutos o filme joga um holofote no mundo de hoje, onde o capitalismo e o comunismo deram-se as mãos para enriquecer uma meia-dúzia de patifes, enquanto o resto da humanidade divide-se entre escravos e estúpidos, vivendo todos em um ecossistema que naufraga. Não sei se o filme foi realmente criado por Banksy, mas combina com seus grafites. E é genial. E marca a internet como o lugar onde as idéias finalmente podem correr soltas, para o bem e para o mal.

APRESENTAR SEUS PERSONAGENS E ALAVANCAR RECURSOS:
Outros autores também estão utilizando a web para exibir livremente e divulgar seus trabalhos, mas vão mais longe. Querem promover seus próprios personagens e alavancar recursos para novas criações.
Alguns são bastante jovens, como Aaron Long, de Toronto, Ontário, no Canadá. De criança, o que não deve fazer muito tempo, era obsecado pelas Looney Tunes. Gosta de tocar e compor música e assistir filmes antigos. Atualmente estudando animação na Max the Mutt Animaton School, onde vai fazendo desenhos animados com seu personagem Fester Fish, uma espécie de Sponge Bob mais underground. Imagino que o sonho do Aaron seja ver seu personagem virar série, a medida que a web o tornar mais popular e com mais público. Boa sorte, Aaron! Eu pelo menos já dei umas risadas boas com seu peixe.
No mesmo caminho parece que está o argentino de San Isidro, Buenos Aires, Leo Campasso. Atualmente com 23 anos, anima com Flash desde os 12 anos. Seu estilo é uma combinação de animação digital com tradicional, em estética influenciada pelos vídeo-games de 8-bits e pelos seriados de animação. Me chamou especialmente a atenção seu filme Travelers with short legs. Lembra a série Adventure Time, com Finn e Jake. Mas tem uma Patagônia em bg (e em coração), o que dá um ar mais naturalista e profundo ao filme, que finalmente parece apontar para algo possivelmente inovador.
Enquanto os dois jovens acima estão tateando e abrindo caminho, um artista velho de guerra também está dando seus tiros na web, mas com uma estratégia mais madura e articulada. É Joe Murray. Ele ficou famoso na vaga de ressurgimento da animação no início dos anos 90, como criador, diretor e produtor de Rocko's Modern Life, exibida mundialmente pela Nickelodeon. Joe nasceu e foi criado em San Jose, California, Estados Unidos. Sobrevive de fazer arte desde os 16 anos. De uma geração de animadores independentes, criadores de personagens irreverentes e demolidores das instituições mais respeitadas. Depois do sucesso de Rocko, partiu para a Cartoon Network, onde, com Linda Simensky, criou Camp Lazlo, hit premiado com o Emmy em 2007. Mas não sei se Joe tem alguma parte dos direitos dessas duas séries que citei. O que muita gente não imagina, é que essas grandes empresas não tem o hábito de dar percentagem para os criadores de personagens que são lançados em seus canais. Geralmente aceitam a proposta de criação e investem pesado, mas exigem a detenção completa dos direitos e do retorno financeiro. Em outras palavras, é bem provável que tanto Stephen Hillenburg, criador de Sponge Bob, como Joe Murray, com Rocko e Camp Lazlo, não vejam nem muito, nem algum dinheiro em seus bolsos com o sucesso de seus personagens. Se alguém tiver alguma prova em contrário, por favor, manda pra mim. Mas essa é a informação que tenho dos bastidores de executivos que trabalham nessas majors. 
Então suponho que Joe Murray criou na internet sua própria tv, a KaboingTV.com, para finalmente conseguir ser o dono de seus próprios personagens. Nesse pequeno canal, seus fãs podem conhecer Frog in a Suit. Detalhe importante: Murray produziu os primeiros filmes desse sapinho de terno com o sistema de crowdfunding. Utilizando sites como IndieGoGO ou Startup, um autor pode propor que façam pequenas, médias e grandes doações que viabilizem um projeto qualquer. Como Murray já é conhecido e tem seus seguidores, conseguiu a grana para alavancar a produção de seus filmes assim.
Também estão tentando chamar a atenção para seu projeto, os espanhois de um pequeno estúdio independente, em Barcelona. O projeto é um longa metragem chamado I'm a Monster. O estúdio chama-se Headless e foi fundado por Adrian Garcia, Alfredo Torres e Victor Maldonado.
Os três formaram equipe na produção de outro longa, de 2007, Nocturna. O design produzido nesse estúdio realmente impressiona. Entre as crenças da Headless está a de que a revolução digital não é inimiga da animação tradicional. Ao contrário. Graças aos recursos de composite e outras ferramentas, acreditam que é possível utilizar o desenho feito a mão de formas mais interessantes e rápidas.
Repare que, apesar da produção ser espanhola, o idioma falado de I'm a Monster é o inglês. É uma tônica de muitas produções animadas que querem conquistar a web. Ou os personagens são mudos, ou falam inglês. O pessoal da Headless fez um teaser realmente atraente para chamar a atenção do mundo. Agora querem o dinheiro para contar o resto da história, que promete.

ALAVANCAR TRANSMÍDIA:
Outros estão utilizando a web em articulação para projetos de transmídia. 
É o caso de Gabe Swarr. Cartunista de Burbank, California, Estados Unidos. Estudou na Joe Kubert School of Cartoon and Graphic Art. Desde 2007 e até o presente trabalha como Supervising Producer na Nickelodeon Animation Studios. Nesse caminho de ter a propriedade dos direitos dos personagens que cria, montou uma série de mini animações para celular que tem a esperança de que se transformem em uma febre que se espalhe entre muitas pessoas. A série chama-se Life in the Analog Age e é auto-biográfica. Gabe conta fatos de sua infância de garoto típico dos Estados Unidos e busca como público aqueles que tem memórias como as suas.
Com mais poder de fogo, outro que vai no caminho de alavancar uma propriedade transmídia vias web é o designer, empreendedor e tecnólogo Stewart Butterfield. Ele já tem um histórico de sucesso na rede: é co-fundador do Flickr e foi seu presidente até sua aquisição pelo Yahoo em 2005, continuando como Gerente Geral até 2008. Flickr.com atinge 80 milhões de visitantes-mês. Por essa proeza, Stewart foi indicado pela Time Magazine como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo. Outra dessas 100 sou eu, mas o Time Magazine não sabe.
Bem, voltando ao Stewart, graduado pelas Universidades de Victória, Austrália e Cambridge, Reino-Unido e morando em Vancouver, Canadá. Ele atualmente é presidente da Tiny Speck, que co-fundou. E estão colocando na web um jogo multiplayer chamado Glitch. O jogo é um chamariz atraente para pessoas de todas as idades. E se pegar, talvez a Tiny Speck repita o sucesso da Ankama.
Ankama é o exemplo de sucesso preferido na webdahora do mundo dos negócios de entretenimento via web. O nome parece japonês e os produtos da empresa também. Mas os sócios da Ankama são todos herdeiros de Carlos Magno e Charles Aznavour: Três francêses, Anthony Roux, Camille Chafer e Emmanuel "Manu" Darras. O nome Ankama deriva daí: ANthony, KAmille e MAnu. E a especialidade deles é o design de Massive Multiplayer Online Role Playing Games.
Em 2003 lançaram seu primeiro jogo, em Flash, Dofus. Inicialmente gratuito, o sucesso foi tanto que os jogadores, na maior parte crianças, se dispuseram a pagar para manter o jogo disponível na web. Em 2005 Dofus virou também quadrinhos. E novos jogos foram para a internet: Dofus Arena e Wakfu
Em 2007 começaram a fazer séries de animação com os personagens dos games. Atualmente fazem sucesso até no Japão. Penso que devem ser os primeiros manga e anime importados pelos japonêses. Isso é que é sucesso!

TER SEU PRÓPRIO PÚBLICO:
Bom, voltando ao nosso primeiro exemplo de utilização inteligente da internet, a divulgação de filmes autorais, para fechar com o que mais me chamou a atenção, pela qualidade, nesta lista de cases:
Manny Hernandez, caricaturista de Chula Vista, California, Estados Unidos. Está estudando na Cal Arts e Drop'd, de 2011, é seu filme de segundoanista. O filme é muito bom. Desenho animado tradicional, leve, bom de ver. E com uma mensagem forte, que emerge em meio a aguda simplicidade poética. Se continuar assim, Manny vai no caminho de dois outros autores que estão conquistando poderoso espaço na web.
Um é David O'Reilly. Nascido em 1985, em Kilkenny, Irlanda. Diretor e artista, atualmente em Berlin, na Alemanha. Conhecido por criar curtas metragens de animação com estética despojada. Seu curta Please Say Something recebeu o Urso de Ouro no Festival Internacional de Berlin 2009 e prêmio de melhor roteiro em Ottawa 2009. Em 2010, The External World recebeu o Primeiro Prêmio no Festival de Stuttgart. Além de todos esse prêmios e de utilizar a web para se fazer mais conhecido, com blog e canais próprios, O'Reilly joga com os hábitos dos internautas: uma criança de 9 anos chamada Randy Peters começou a postar no YouTube filmes feitos por ela mesma, contando a história de Octocat, um animal meio gato, meio polvo. Os filmes começaram a ter diversos seguidores e tornaram-se um viral. De repende, um filme concluiu a história de Octocat, mas produzido em 3D e com musica clássica. E descobriu-se que a criança autora dos filmes não existia, sendo tudo uma farsa montada por O'Reilly.
E para concluir, Nick Cross. Animador e cartunista de Toronto, Canadá. Após alguns curtas bem sucedidos, financiados com ganhos de trabalhos comissionados, graças à internet, conseguiu criar público próprio. E esse seu público, através do sistema de crowdfunding, garantiu os recursos para a realização de seu curta metragem de 2010, The Pig Farmer. E é um filme que tem o que dizer. 
Da mesma forma que Joe Murray, Nick financiou seu filme com crowdfunding. E da mesma forma que Banksy, fez algo que tem mensagem forte e própria. Uma crítica coerente e inteligente, um alerta, sobre como as drogas são instrumentos de manipulação. Veja o filme. Crescendo em seguidores, Nick está agora tentando alavancar os recursos para seu primeiro longa metragem, que se chamará Black Sunrise. Bobeia e eu também vou pingar minha contribuição nesse projeto. 
Pra fechar o post, impossível não deixar de citar uma hiper talentosa colaboradora de Nick, em seus projetos: Sua esposa Marlo Meekins. Veja as imagens postadas junto com este texto e me diga se estou errado.

É isso. A logorréia atacou forte. E talvez daqui a algumas horas, todas estas histórias estejam ultrapassadas.
Ou não.



2 comentários:

  1. A Kaboing TV já está ultrapassada:

    http://www.cartoonbrew.com/ideas-commentary/joe-murrays-kaboing-goes-kaput.html

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  2. Não sei se a palavra melhor é ultrapassada.
    Se considerar a análise do Brew, que acho bem pertinente, já nasceu ultrapassado, já que não ofereceu nada que já não existisse na TV comum. Ou muito pouco a mais. Talvez um pouco mais de grossura que um canal infantil admitiria como police.
    A questão é saber se um canal autoral, independente, está ultrapassada. Pelo próprio artigo do Brew, parece que não. O que não deu certo foi este projeto específico do Murray.

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