segunda-feira, 1 de agosto de 2016

De volta para o futuro do pretérito


Quem costuma passar por aqui, sabe que dei um tempo do blog.

Na verdade dei um tempo do Brasil. E desde final de agosto de 2015 estou em Nova York. Vim aqui pra exibição de estréia de um curta metragem no qual criei a sequência em animação, Love Will Rescue You (O Amor vai salvar você). E acabei ficando, desde novembro, como diretor de arte da Little Airplane.

Eshu Yoruba (detalhe)
Meu primeiro desenho totalmente digital.
Fiz pra aprender a usar a Cintiq.

Não sei quando volto e se volto. O Brasil estava me deixando doente. 

Qual o destino de quem abdica do próprio discernimento?

O que me levou a escrever de volta aqui no blog foram três coisas. Uma segue agora. As outras, quem sabe depois.
Um estudante chamado Ricardo Macedo fez uma entrevista comigo, pra incluir em uma tese de mestrado dele.
Aí me deu vontade de publicar aqui, pra quem quiser.

Segue:

1) Para você, o que é cinema de animação?
É uma arte que envolve todas as outras e que tem ampla capacidade de comunicação. Mas até hoje essas virtudes foram pouco exploradas.
Apesar de seu potencial coletivo, ainda é prioritariamente valorizada como obra de um diretor. Apesar de seu potencial de comunicação, ainda é utilizada para narrativas muito convencionais.

2) O Estado Brasileiro no decorrer das décadas apoiou o cinema de animação? (estúdios, animadores, filmes etc).
Esse é um assunto complexo. É clichê pensar que o Estado tem que apoiar o cinema. Seria irresponsável da minha parte dar uma resposta curta e simplista para esse assunto. Então fico apenas com uma resposta direta a sua pergunta: Sim, desde que eu me lembro como profissional, comecei no fim dos anos 70, sempre me lembro de algum apoio. Sempre foi no entanto um apoio muitíssimo menor do que o dado a filmes live action.

3) Qual época foi a melhor para a animação no Brasil?
“Melhor” é uma palavra muito relativa. O que posso dizer certamente é que a recuperação econômica do Brasil no início deste século, somada ao boom da animação no mundo todo, que vem desde o final da última década do século XX, contribuíram para esta época recente ser a mais produtiva. Ao menos em quantidade de filmes.
Em 2006 eu apresentei ao governo um estudo detalhado de engenharia econômica, feito por minha conta, sobre o potencial econômico da animação brasileira no mercado internacional. Apresentei também uma sugestão de estratégia para conquistar esse mercado. Infelizmente só arregalaram os olhos com a possibilidade de lucro e investiram de uma forma que mais pulverizou verba do que outra coisa. Os animadores, estúdios e produtoras não ajudaram nada, porque não souberam aproveitar esse potencial da melhor forma. Partiram para o cada um por si, disfarçado com discursos exteriores de união.  É uma pena. A animação brasileira produziu muita coisa, mas se conseguiu se viabilizar independente do Estado, é o que vamos ver agora que o país quebrou.

4) Como você compara os estúdios do Brasil com os da Europa e América do Norte?
É uma pergunta ampla demais. Existem muitos tipos diferentes de estúdios de animação, na Europa e na América do Norte. Com tamanhos, pipelines e tipos de produção muito diferente entre si.
Mas tentando responder:
Animação, pelo menos por enquanto, é uma arte industrial. Ela se consolida em países industrializados, porque tem uma relação de tecnologia, mercado e distribuição típica de países industrializados. O Brasil é um pais que tem indústria, mas em desenvolvimento. A diferença é essa. Enquanto em países da Europa, America do Norte, Ásia e Oceania existe uma produção de animação consolidada, no Brasil ela ainda não estabilizou plenamente e é mantida a fundo perdido (e pulverizado) pelo Estado.

5) Comente sobre o Anima Mundi e ABCA - Associação Brasileira de Cinema de Animação.
Alguns diretores do Anima Mundi ficariam surpresos em ver você colocar o Festival e a ABCA na mesma pergunta.
Anima Mundi é um festival independente, criado e dirigido até hoje pelos mesmos quatro animadores. Cresceu bastante, graças à competência  e trabalho de seus diretores, e é um dos maiores festivais de animação do mundo. Certamente contribuiu e continua contribuindo para a divulgação e expansão da animação no Brasil.
Em relação à ABCA, fui sócio fundador e membro do Conselho de Ética. Assisti a inúmeras manipulações e durante um certo tempo achei que aconteciam porque a direção, do eixo Rio-São Paulo, não tinha experiência com associações. Como eu tinha uma experiência prévia longa com ONGs sócio-ambientais, tentei orientar a direção. Aí percebi que não estavam nem um pouco interessados em desfazer as manipulações e me retirei da mesma. Não me pareceu uma associação séria. Isso aconteceu há mais de dez anos e ignoro se conseguiram sanar seus problemas.

6) Por que existe preconceito por parte dos cineastas em relação à animação e os animadores com conceitos, por exemplo, de que animação não é cinema?
Por ignorância.
 
Natura Artis Magistra:
A Natureza ainda é a minha maior inspiração.
Foto arte que fiz a partir de uma foto que tirei na aldeia
Kalapalo, Alto Xingú, em 2002.
7) Comente o que mais marcou você no trabalho de animação em estúdios fora do Brasil.
Já trabalhei na Amblimation, em Londres, que foi o estúdio que deu origem à Dreamworks Animation, na Califórnia. Trabalhei na Disney de Paris. Trabalhei com vários outros estúdios, mas diretamente do Brasil, contribuindo como free-lancer. Atualmente sou Diretor de Arte de um pequeno estúdio em New York City, o Little Airplane, que produz para canais de TV como Discovery e Disney. Talvez o que mais tenha me marcado seja a preocupação desses estúdios em realmente saber o que o público pensa dos filmes. No Brasil os estúdios fazem interpretações muito vagas do que seja a reação do público.

8) Como você vê a hierarquização de estúdios, animadores e formas de fazer animações nos USA, Europa e no Brasil?
A hierarquização é necessária para alguns tipos de trabalho. É uma conseqüência direta do modelo social hierárquico da própria sociedade. Eu estava estudando uma outra forma de produzir quando criei o NUPA, mais baseada nas idéias de John Ruskin e do modelo medieval de estúdio, de produção coletiva, que tem uma hierarquia mais leve, de consulta e aprendizado.
Ao menos na Europa e EUA a hierarquização não significa necessariamente um desrespeito humano com as pessoas, ainda que existam abusos em alguns lugares.  O estúdio em que trabalho em NYC co-produz com a China. Faz parte do meu trabalho como diretor de arte fazer uma avaliação do trabalho produzido na China. Lá a hierarquização é ainda mais pesada, pouco espaço pra pensar por conta própria. E a direção tem mão pesada. É como o modelo político do pais, não é?

9) Em sua obra. Você se inspirou em algum cineasta ou animador?
Minhas influências vem mais da literatura latino-americana, da dança contemporânea, dos quadrinhos europeus dos anos 70-80 e de alguns pintores diversos. E principalmente da própria natureza. Natura Artis Magistra.

10) O que é o cinema de animação no Brasil hoje? Como chegou a ser o que é? Qual foi e é a sua importância (se teve/tem)? Quais foram os elementos mais determinantes ao longo de sua história? O que já foi feito e o que precisa ser feito em termos de um incentivo à produção contemporânea?
Essa pergunta não dá pra responder. É ampla demais.
O que posso dizer é que quando consegui implantar o NUPA em São Paulo estava exatamente trabalhando nos pontos principais que precisam ser tratados:
-       Formação profissional consistente e original.
-       Linguagem própria que ao mesmo tempo tenha grande alcance de público.
-       Temática que se afaste dos clichês e aproxime os filmes de um conteúdo capaz de fazer refletir sem ser pessimista
-       Adequação da verba de produção a resultados melhores na tela mas capaz de propiciar vida digna aos artistas e técnicos. Verba realista.
-       Criação de repertório e estilo inovador.
-       Inovação na forma de trabalhar coletivamente.
Os filmes que fizemos no período em que o NUPA existiu podem ser assistidos e comprovam o que eu digo. Acompanhar o destino dos alunos e artistas que participaram do projeto também comprava que estávamos no caminho certo.
Lamentável que a política mesquinha e desonesta do Brasil tenha novamente destruído mais uma boa iniciativa.

11) A animação dependeu de iniciativas particulares? O cinema de animação brasileiro vingou por teimosia?
Com certeza sim.

Céu D’Ellia
New York City, NY julho de 2016



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