sábado, 14 de setembro de 2013

Como construir um Universo


Philip K. Dick fala de Realidade, Mídia, Manipulação e Heroísmo Humano


O texto que segue é de Maria Popova, com muitas citações do próprio Dick, para um dos sites que sempre leio, BrainPickings. Meu trabalho foi só traduzir.

"Realidade é aquilo que, quando você para de acreditar, não vai embora."

Blade Runner, inspirado no livro de K.Dick,
Os Androides sonham com carneiros elétricos?
Philip K. Dick é tão conhecido hoje por sua ficção-científica que traduziu nossos tempos, como pelas experiências incomuns que teve na primavera de 1974, que ele apelidou de sua "Exegesis". 
Ocupando a intersecção entre o científico, o filosófico, e o místico, a exegese modelou a obra de Dick para a lembrança de sua vida, a medida que ele contemplou os maiores e mais granulados blocos de construção da sua existência.

Em uma fala de 1978 intitulada "Como construir um Universo que não desmorone dois dias depois", parte da totalmente torce-a-mente antologia de 1995, "As realidades mutantes de Philip K. Dick: Literatura Selecionada e Escritos Filosóficos", Dick leva seu questionamento movido pela exegese para a natureza da realidade, os mecanismos da manipulação pela mídia, e a mais firme - e única - defesa que temos contra as indignidades da pseudo-realidade fabricada.

Logo no início ele começa examinando o que a realidade realmente é:

"É sempre minha esperança, escrevendo novelas e histórias que fazem a pergunta "O que é realidade?", de um dia alcançar a resposta. Esta  também era e esperança de muitos leitores. Passaram-se anos. Eu escrevi mais de trinta novelas e mais de uma centena de contos, e anda assim não consigo imaginar o que era real. Um dia, uma estudante no Canadá me pediu pra definir realidade para ela, para um texto que ela estava escrevendo para sua aula de filosofia. Ela queria uma resposta de uma frase. Eu pensei e finalmente disse: "- Realidade é aquilo que, quando você para de acreditar, não vai embora." Isso foi tudo consegui dizer. Isso foi em 1972. E desde então eu não consegui uma forma mais lúcida de definir realidade.

Mas o problema é real, não é apenas um jogo intelectual. Porque hoje nós vivemos em uma sociedade em que realidades espúrias são fabricadas pela mídia, pelo governo, pelas grandes corporações, pelos grupos religiosos, políticos... Então, eu pergunto em meus textos: - O que é real? Porque nós somos bombardeados incessantemente com pseudo-realidades fabricadas por pessoas bem sofisticadas, usando mecanismos eletrônicos bem sofisticados. Eu não tenho desconfiança de seus motivos. Eu tenho desconfiança de seu poder. Eles tem muito. E é um poder surpreendente: aquele de criar universos inteiros, universos da mente. Eu sei disso, porque eu faço a mesma coisa. É meu trabalho criar universos, como a base de uma novela atrás de outra. E eu tenho de construí-los de uma tal forma que eles não desmoronem dois dias depois."

A Scanner Darkly (O Homem Duplo),
baseado na novela homônima de K. Dick

Aqui, no entanto, é quando as coisas ficam particularmente interessantes: Dick argumenta que a realidade se torna menos real no momento em que começamos a discutir isso, porque a própria discussão precipita uma fabricação dinâmica do que percebemos como real, ao contrário de uma contemplação estática do que é, produzindo uma série de "pseudo-realidades" que por seu lado produzem pseudo-humanos:

"Assim que você começa a perguntar o que de fato real, você imediatamente começa a falar coisas sem sentido. Zeno provou que movimento é impossível (Na verdade ele apenas imaginou que havia provado isso; o que lhe faltou é aquilo que nós chamamos tecnicamente de "teoria dos limites"). David Hume, o maior cético de todos, certa vez observou que depois de participar de um reunião de céticos para proclamar a veracidade do ceticismo como filosofia, todos os participantes do encontro, sem exceção, saíram pela porta e não pela janela. Eu percebo o que Hume quer dizer. Era tudo apenas falação. Os filósofos solenes não estavam tomando seriamente o que eles mesmo disseram.
Mas eu considero que o assunto de definir o que é real- esse é um tópico sério, mesmo vital. E ali em algum lugar está o outro tópico, a definição do homem autêntico. Porque o bombardeio de pseudo-realidades começa a produzir rapidamente humanos não-autênticos, humanos espúrios, tão falsos como as informações que os pressionam de todos os lados. Meus dois temas são apenas um tema; eles se unem neste ponto. Realidade falsa irá criar humanos falsos. Ou, humanos falsos irão gerar realidades falsas e então vendê-las para outros humanos, tornando eles, finalmente, reprodutores deles próprios. Então nos assombramos com humanos falsos inventando realidades falsas e então anunciando-as para outros humanos falsos. É apenas uma versão muito grande da Disneylândia."

Moebius ilustra Clans of the Alphane Moon, de K. Dick
Em uma declaração com a qual Mark Twain iria entusiasticamente concordar e George Orwell iria acompanhar, Dick alerta contra a forma com a qual manipuladores da mídia deliberadamente criam pseudo-realidades pela formatação de palavras:

"A ferramente básica da manipulação da realidade é a manipulação de palavras. Se você pode controlar os significados das palavras, você pode controlar as pessoas que precisam usar as palavras."

No final das contas, o único antídoto para a manipulação da realidade é o bom e fora de moda heroísmo humano, aquela vacina imemorial de coragem e resistência, de liberdade do medo, de incansavelmente empregar o pacífico, preciso, judicioso exercício de probidade e cuidado, com ninguém para ver e elogiar, em outras palavras, de sabedoria moral:
Minority Reportbaseado
no conto de K. Dick

"O ser humano autêntico é aquele de nós que instintivamente sabe o que não deve fazer, e, adicionalmente, exita em fazê-lo. Ele irá se recusar a fazê-lo, mesmo que isso lhe traga consequências assustadoras para ele e para aqueles que ele ama. Esta, para mim, é o traço heroico fundamental das pessoas comuns: - elas dizem NÃO para o tirano e calmamente aceitam as consequências de sua resistência. Seus feitos podem ser pequenos, e quase sempre não noticiados, não destacados pela História. Seus nomes não são lembrados, e nem mesmo estes humanos autênticos esperam que seus nomes sejam lembrados. Eu vejo sua autenticidade de uma forma estranha: não em seu desejo de realizar grandes atos heroicos, mas em suas recusas modestas. Em essência, eles não podem ser compelidos a ser o que não são. "

O resto de 
"As realidades mutantes de Philip K. Dick: Literatura Selecionada e Escritos Filosóficos" está cheio de reflexões igualmente estimulantes para a alma e para os neurônios, sobre os fardos e bençãos de ser humano- altamente recomendável.

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