QUE O CÉV NÃO CAIA SOBRE NOSSAS CABEÇAS ! *I
Frio Equador, de Enki Bilal |
ASTERIX EM VMA VOLTA PELA GÁLIA *III
O fenômeno Asterix não aconteceu isoladamente. Pertence a um contexto amplo, que o antecede e vêm até os dias de hoje: A “Banda Desenhada Francófone” ou os “Quadrinhos Estilo Europa”.
Por que “francófone”e não “francêsa”? Por que nem todos os autores são francêses, mas o idioma das edições originais sim.
De fato, o primeiro grande nome da BD Francófone é um belga. Georges Rémi, o “Hergé”, iniciou as aventuras de Tintin e Milou em 1929. No início, essas histórias , que narravam aventuras de um jovem repórter e seu cão pelo planeta, reproduziam uma visão européia estereotipada e colonialista do mundo. Até que, em 1934, Hergé levou Tintin ao Extremo-Oriente em uma obra-prima, que é um divisor de águas : “O Lótus Azul”. Nessa aventura, pela primeira vez, Hergé preocupou-se com o conteúdo e a qualidade das informações divulgadas. Documentou-se, contou com acessores. E essa tornou-se uma das características principais da BD francófone : a valorização do conteúdo, pesquisa e documentação.
O quadrinho europeu ocupou para o público a lacuna de uma produção de cinema de animação contínua , com conteúdo próprio. Os desenhos animados, predominantemente estadunidenses, faziam muito sucesso, mas não supriam totalmente o interesse por um produto mais regional. Além disso, com a 2a Grande Guerra, interrompeu-se, por um período, o recebimento de filmes e quadrinhos estadunidenses, abrindo-se espaço para o produto nacional.
Em 1959, quando surgiu a revista Pilote, o mercado editorial de quadrinhos já estava consolidado. Hergé havia ampliado sua produção, com a criação de um estúdio que lançou outros autores, como Jacobs e Martin, colaboradores de uma revista semanal também chamada “Tintin”. Uma editora concorrente publicava “Spirou”, que repetia o sucesso de “Tintin” e lançava autores como Franquin, Jijé e Morris. E essa é outra importante característica do quadrinho estilo europa: trabalho de autor. Ao contrário dos comics estadunidenses, onde os autores são uma linha de produção por detrás de um título, cada autor europeu busca sua especificidade, seu estilo.
Quando Goscinny e Uderzo criaram Asterix, introduziram uma nova tendência de humor ao gênero de aventura popular na Europa. Fizeram isso por influência do sucesso, nos Estados Unidos, da revista de sátira “Mad”, com cuja equipe Goscinny havia trabalhado no período em que viveu na América do Norte.
O sucesso de Asterix e Pilote estimulou o surgimento de novas gerações de autores. O gênero foi amadurecendo e, a partir do final da década de 60, os quadrinhos europeus passaram a ser produzidos não só para crianças ou público de todas as idades. Surgiram quadrinhos voltados exclusivamente para adultos, com desenhos e temas mais complexos e críticos. Proliferaram novos títulos.
Essa evolução também reforçou mais uma característica do quadrinho estilo europa : o apuro gráfico. Enquanto o gênero comics privilegia o descartável . Um título estadunidense produz em média 240 páginas por ano, para uma média de 48 páginas anuais, no estilo europa.
O sucesso da banda desenhada francófone atraiu artistas para além da França e da Bélgica. Italianos, espanhóis e diversos autores do leste europeu e da América Latina encontraram no mercado francófone a alternativa para sua produção.
Em 1992, Enki Bilal lançou “Frio Equador”. Bilal, iugoslavo radicado na França, deu seus primeiros passos na década de 70, na revista Pilote. “Frio Equador” recebeu da crítica literária francêsa o título de um dos dez melhores livros do ano. Em outras palavras: uma história em quadrinhos foi considerada literatura. E das boas.
Com o fortalecimento da Comunidade Européia, a BD francófone tornou-se o epicentro de estratégias para alavancar a produção cinematografica e a expansão editorial por todo o mercado europeu. Cada vez mais os personagens são adaptados para desenhos animados, filmes e telefilmes, videogames e sites promocionais. Editores buscam alternativas intermediárias entre o tradicional trabalho de autor e o estilo estadunidense de produzir em maior quantidade. Em resumo, a produção de BD atravessa os mares da “globalização” e, como tudo o mais, não sabe o que encontrará do outro lado.
*I-QUE O CÉV NÃO CAIA SOBRE NOSSAS CABEÇAS: Os gauleses de Asterix são destemidos e só tem medo de uma coisa - Que o céu lhes caia na cabeça.Este conjunto de textos foi escrito em 2001, pouco depois do ataque às Torres Gêmeas. Deveriam ser a linha guia de uma exposição no Centro Cultural São Paulo, sobre a BD francófona. Mas a mesma foi cancelada devido ao argumento, do então cônsul francês em São Paulo, que a BD na França já não tinha mais importância e seria melhor organizar um evento de hip hop. A conclusão a que cheguei depois dessa fala, é de que o governo francês não é muito criterioso na escolha de seus representantes no Brasil.
*III-ASTERIX EM VMA VOLTA PELA GÁLIA: É o título da quinta aventura de Asterix (1965). Nela, o herói viaja por toda a Gália, visitando cada cidade, em uma paródia das diferentes regiões francesas atuais.
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