Animação é arte de sociedade industrial. Parte da razão da animação brasileira não ir pra frente tem haver com as mesmas razões da indústria brasileira, como um todo, não ir pra frente.
A outra parte tem haver com a incompetência tanto dos produtores de animação brasileiros, que se recusam a olhar o assunto com clareza e preferem apostar em uma suposta genialidade que acreditam possuir sozinhos, como a incompetência dos governos em abordar de fato a questão, ora fazendo investimentos pulverizados e duvidosos, ora não fazendo investimento nenhum.
Segue abaixo um artigo simples e didático de um jornalista e economista, que sabe passar o recado, sobre a primeira metade do porquê: As razões do atraso da indústria brasileira como um todo.
Carlos Alberto Sardenberg - O Estado de S.Paulo
Por todo lugar onde passo, ouço histórias de indústrias brasileiras que perdem mercado para concorrentes chineses. Trata-se de uma dupla perda. De um lado, há companhias locais que não resistem à entrada dos produtos importados. Na outra ponta - e talvez seja o caso mais dramático -, empresas exportadoras são deslocadas pelos chineses de mercados na América Latina, nos Estados Unidos e na Europa.
São situações bem diferentes, a exigir respostas diferentes. No caso da concorrência dos importados, é até mais fácil. No limite, e sem discutir, por ora, o mérito dessa política, o governo brasileiro pode impor severas restrições à importação, combinando-as com medidas de favorecimento ao produto nacional. Como, aliás, já começa a fazer.
Mas como fazer para equilibrar a concorrência com os chineses no mercado de ônibus urbanos no Peru? Pode-se até conseguir alguma coisa por meio da diplomacia - Hugo Chávez, por exemplo, a um dado momento, deu preferência a produtos e serviços brasileiros, como na construção de obras públicas. Mas está claro que isso é episódico. Governos estrangeiros, em regra, não vão conceder proteção às mercadorias brasileiras.
Que fazer? Executivos envolvidos nessas histórias têm suas explicações e propostas.
O real valorizado e o yuan, moeda chinesa, desvalorizado são, claro, parte importante do problema. Mas tenho ouvido cada vez mais outras interpretações, que colocam a questão da competitividade geral das duas economias.
Os salários chineses, por exemplo. Já não são baixos, pelo menos não nos setores mais avançados, como eletrônicos, informática e tecnologia da comunicação - contam executivos que lidam com essa concorrência. Dizem que os salários têm subido de maneira expressiva nos últimos anos e, mesmo assim, os produtos deles preservam preços competitivos no mundo todo.
Mas os impostos sobre a folha de salários fazem muita diferença. Ou seja, em diversos setores econômicos, o dinheiro que o trabalhador brasileiro leva para casa não é mais do que o obtido pelo chinês. A diferença efetiva está no imposto cobrado sobre a folha de salários: aqui, algo como 35%; lá, quase nada.
Na verdade, o peso dos impostos brasileiros fica cada vez mais evidente. Ouço frequentes relatos de executivos brasileiros que têm na ponta da língua a sequência infinita de impostos, taxas e contribuições que pagam desde o início da produção até colocar a mercadoria no navio.
Todo mundo sabe disso, a começar pelo governo. Tanto que todas as políticas industriais incluem como peça essencial a desoneração de impostos para setores e empresas. Mas não funciona, porque só podem ser beneficiados alguns poucos escolhidos, uma vez que o governo continua precisando de arrecadação para financiar gastos crescentes. Este ou aquele setor ganha uma competitividade extra, e dependente das autoridades de plantão, mas o geral da economia continua pagando caro.
O outro problema cada vez mais evidente é o custo de capital - a taxa de juros.
A empresa brasileira se financia a juros muito, mas muito maiores que a chinesa. De novo, a política industrial concede financiamentos a juros baixinhos via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Mas poucos têm acesso a esse dinheiro barato. Quer dizer, barato para o tomador, mas caro para o governo, que o subsidia.
Acrescente o custo da infraestrutura - a gente não faz um aeroporto novo há décadas, os chineses fizeram uma rede - e se tem a história toda.
Nada disso é novo. O que me parece novo é o aparecimento frequente desse tema na bronca dos executivos. Antes, quase só se reclamava da taxa de câmbio. Hoje se fala mais do custo Brasil, antes do câmbio.
Essa é a abordagem correta. Claro que um real bem desvalorizado - a R$ 3 por dólar, digamos - tornaria mais competitivos os produtos brasileiros lá fora. Mas provocaria uma forte inflação local, ao encarecer os importados e os produtos locais comercializáveis internacionalmente. Seria um novo tipo de custo Brasil.
Por outro lado, a proteção ao produto brasileiro no mercado brasileiro também vai encarecer o preço, sem representar ajuda para a exportação.
Eis o ponto: produzir no Brasil ficou muito caro - pelos impostos e juros e pelo ambiente de negócios (custos burocráticos, de licenciamento, etc.) - e não há mais real desvalorizado que resolva.
Bobeamos nisso. Há anos que a carga tributária aumenta todos os anos - e isso tem passado quase sem oposição. Não digo que devemos importar os republicanos americanos, mas vamos reparar: a gente paga mais imposto que os americanos.
Há anos pagamos juros elevadíssimos e parece que está tudo bem. Até acreditamos quando nos dizem que sai em seis vezes no cartão sem juros. Ora, pessoal, essa autoenganação está passando do limite.
O que atrapalha o Brasil, o que impede o crescimento mais rápido, o que nos derrota na concorrência com os chineses é o governo - que arrecada demais, gasta demais, e mal, e ainda por cima deve muito, toma muito dinheiro emprestado, forçando os juros para a Lua.
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