quinta-feira, 16 de julho de 2009

O ícone Asterix

QUE O CÉV NÃO CAIA SOBRE NOSSAS CABEÇAS ! *I




ASTERIX E OS LOVROS DE CÉSAR *V


Mas de qualquer forma, por mais talentosos que fossem, e por mais favoráveis as condições, o fenômeno foi sem precedentes. E isso provavelmente pode ser explicado por Asterix ter alcançado, enquanto símbolo pop, um significado maior. Asterix tornou-se um ícone.

O baixinho bigodudo é dotado de força sobre-humana, pois bebe a poção mágica preparada pelo druida Panoramix. Habita uma pequena aldeia gaulesa, cujos habitantes, apesar de discutirem vez ou outra por causa da qualidade do peixe ou dos cantos do bardo, são muito unidos. E essa união, somada à força da poção mágica e à astúcia de Asterix, garante que a aldeia resista... irredutível !

Resista irredutível ao exércitos do mais poderoso império de todos os tempos, a Grande Águia, a Roma Imperial de César.

São múltiplos os significados a extrair disso. O mais evidente diz respeito à invasão do mundo pela força econômica e militar dos EUA, bem como à “americanização” dos costumes. Coca-cola, McDonald’s, Hollywood, Calça Jeans, Elvis Presley, etc. De um lado, isso. Do outro, a cultura francêsa, cada vez mais ilhada, como em uma pequena aldeia. Essa é uma sombra da década de 50 para a França do pós-guerra.
Mas de certa forma essa sombra se espalhou. E a pequena e irredutível aldeia gaulesa também pode representar toda diversidade cultural de diferentes povos do mundo que desaparece, ou resiste em pequenos redutos, diante da comunicação de massa e do mundo globalizado. Índios, camponêses, artesãos, artistas independentes, pequenos e médios comerciantes engolidos pelo Império.
Proféticamente, na última aventura que escreveu, no auge de sua criatividade e capacidade crítica, Goscinny emoldurou esse significado. “Obelix e Cia”, de 1977 conta do plano mais diabólico traçado pelos romanos para destruir a aldeia : Um jovem conselheiro, recentemente saído da “Nova Escola”, propõe a César que introduza a ganância pelo dinheiro na aldeia.
Vai mais além. Começa a comprar os (inúteis?) menires entalhados por Obelix, o grande amigo de Asterix. Obelix se vê envolvido em uma situação onde começa a se tornar cada vez mais rico e como não tem mais tempo de caçar e é pressionado a fazer mais menires em tempo menor, contrata empregados. E pronto: a aldeia gaulesa abre-se para a mais valia. Em pouco tempo surgem outras “empresas”, dentro da aldeia, para competir com a de Obelix, que afinal, tormou-se mais rico que o próprio chefe, sendo agora o invejado “homem mais importante”. A competição traria o fim da união entre os habitantes da aldeia, colocando-os dependentes das decisões do Império ?
Era atual em 1977 ? Parece que hoje continua sendo.
O baixinho bigodudo é dotado de força sobre-humana, pois bebe a poção mágica preparada pelo druida Panoramix. Estamos aqui diante da ancestralidade. Gauleses são celtas, e druidas são os conhecedores dos segredos e mistérios da Natureza. Colhem o zimbro e o visgo com suas foices mágicas. Veneram o carvalho e outras grandes árvores. Os celtas são habitantes dos campos e das florestas. Representam a Europa crepuscular e suas raízes mais profundas. Em algum ponto original marcam as mais antigas tradições folclóricas.
Os gauleses diante dos romanos representam a magia diante da racionalidade.
O primeiro livro de medicina ocidental foi escrito por um contemporâneo de César (e de Asterix , em tese...). O romano Celso Cornelio criticava o empirismo e pensava que a medicina precisava ser racional e baseada no estudo da materialidade. Compilou Hipócrates e, prático como todo bom romano, descreveu minuciosamente a atividade cirúrgica. O personagem histórico Celso Cornélio representa a parte mais palpável do Ocidente e sua cultura racional. O personagem imaginário Panoramix representa o diáfano, a magia latente e as antigas superstições do folclore. Em algum lugar do imenso Império Racional do Ocidente Material, resiste a poesia invencível da pequena aldeia gaulesa, com seu druida, de longas barbas brancas, dotado de misterioso conhecimento mágico...
Provavelmente ninguém levou tão a sério como Goscinny e Uderzo a epígrafe tolstoiana, “Fale de seua aldeia e será universal”...
*I-QUE O CÉV NÃO CAIA SOBRE NOSSAS CABEÇAS: Os gauleses de Asterix são destemidos e só tem medo de uma coisa - Que o céu lhes caia na cabeça. Este conjunto de textos foi escrito em 2001, pouco depois do ataque às Torres Gêmeas. Deveriam ser a linha guia de uma exposição no Centro Cultural São Paulo, sobre a BD francófona. Mas a mesma foi cancelada devido ao argumento, do então cônsul francês em São Paulo, que a BD na França já não tinha mais importância e seria melhor organizar um evento de hip hop. A conclusão a que cheguei depois dessa fala, é de que o governo francês não é muito criterioso na escolha de seus representantes no Brasil.

2 comentários:

  1. uahahahaha!

    o texto todo é legal, mas a melhor parte está na nota do cônsul francês! que anta.

    O Império Romano serve como metáfora de qualquer império. No filme Qvo Vadis? é meio óbvio na introdução uma alusão ao império soviético, oposto aos cristãos. os próprios italianos não estavam longe do tempo do Duce. E os franceses reclamam da americanização da França desde pelo menos a Belle Époque.

    Esperava ler algo mais pessoal, mais a ver com teu momento de encontro com essa HQ mágica. Está com cara de texto mais objetivo, feito mesmo para uma exposição ao público.

    um abraço
    sp

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  2. Esse texto é uma parte de um conjunto. Tem mais alguns espalhados pelo blog e outros que ainda vou colocar.
    Mas é verdade. Todos tem esse tom "exposição ao público", já que foram feitos pra isso.
    Mais pra frente, conforme o blog for esquentando e tomando uma cara, acho que vou seguir essa sua sugestão e ser mais pessoal.

    O objetivo do blog é discutir verdades e percepções da verdade. Qualquer tema caberia dentro desse objetivo, mas vou no que me encanta mais, quadrinhos e animação (com um pouco de vedas camuflado de semiótica, pra não perder o costume).

    Outro abraço!

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