sábado, 8 de abril de 2023

O Genocídio dos Nativos Indígenas nos Estados Unidos

Fatos Históricos & Evidências Reais

Parte 1 de 3: Definição de genocídio e evidências históricas

1890,
Big Foot fuzilado em Wounded Knee

O termo “genocídio”, derivado da antiga palavra grega genos (raça, nação ou tribo) e do latim caedere (“matar, aniquilar”), foi cunhado pela primeira vez por Raphael Lemkin, um estudioso do direito polonês-judeu, em seu livro de 1944, Axis Rule in Occupied Europe (O Domínio do Eixo na Europa ocupada). Originalmente significa “a destruição de uma nação ou de um grupo étnico”.

Em 1946, a Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) declarou o genocídio como um crime sob o direito internacional na Resolução 96, que afirmou que “O genocídio é uma negação do direito à existência de grupos humanos inteiros, assim como o homicídio é a negação do direito de viver de seres humanos individuais; tal negação do direito à existência choca a consciência da humanidade… e é contrária à lei moral e ao espírito e objetivos das Nações Unidas”.

Em 9 de dezembro de 1948, a Assembleia Geral da ONU adotou a Resolução 260A, ou Convenção sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, que entrou em vigor em 12 de janeiro de 1951. A Resolução observou que “em todos os períodos da história, os genocídios infligiram grandes perdas à humanidade”. O Artigo II da Convenção define claramente o genocídio como qualquer dos seguintes atos cometidos com a intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, como tal:
(a) Matar membros do grupo;
(b) Causar lesões corporais ou mentais graves a membros do grupo;
(c) Infligir deliberadamente ao grupo condições de vida calculadas para provocar sua destruição física total ou parcial;
(d) Imposição de medidas destinadas a prevenir os nascimentos no seio do grupo;
(e) Transferência forçada de crianças dos grupos para outro grupo.

Os Estados Unidos ratificaram a Convenção em 1988.

O genocídio também está claramente definido na legislação interna dos Estados Unidos. O Código dos Estados Unidos, na Seção 1.091 do Título 18, define genocídio como - ataques violentos com a intenção específica de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso - uma definição semelhante à Convenção sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio.

De acordo com registros históricos e relatos da mídia, desde sua fundação, os Estados Unidos têm sistematicamente privado os indígenas de seus direitos à vida e direitos políticos, econômicos e culturais básicos por meio de assassinatos, deslocamentos e assimilação forçada, em uma tentativa de erradicar física e culturalmente esse grupo. Ainda hoje, os indígenas enfrentam uma grave crise de sobrevivência.

De acordo com o direito internacional e seu direito interno, o que os Estados Unidos fizeram aos indígenas abrange todos os atos que definem genocídio e constituem indiscutivelmente genocídio. A revista US Foreign Policy comentou que os crimes contra os nativos americanos são totalmente consistentes com a definição de genocídio sob a lei internacional atual.

O profundo pecado do genocídio é uma mancha histórica que os Estados Unidos nunca poderão limpar, e a dolorosa tragédia dos indígenas é uma lição histórica que nunca deve ser esquecida.


I. Evidências sobre o genocídio indígena do governo dos EUA

1. Ação comandada pelo governo

Acampamento Lakota Sioux,
três semanas após o massacre,
em 29 de dezembro de 1890,
corpos ainda abandonados no chão
e soldados US ao fundo

Em 4 de julho de 1776, os Estados Unidos da América foram fundados com a Declaração de Independência, que declarava abertamente que “Ele (o Rei Britânico) despertou insurreições domésticas entre nós e se esforçou para atrair os habitantes de nossas fronteiras, os impiedosos índios selvagens”. Assim, desde a carta fundadora dos EUA, os nativos habitantes originais são caluniados como “os impiedosos índios selvagens”.

O governo e os líderes dos EUA trataram os nativos originais com a crença na superioridade e supremacia branca, e decidiram aniquilar os índios, tentando erradicar a raça por meio do “genocídio cultural”.

Durante a Guerra da Independência dos EUA (1775-1783), a Segunda Guerra da Independência (1812-1815) e a Guerra Civil (1861-1865), os líderes dos EUA, ansiosos para transformar sua economia de plantação em um anexo do colonialismo europeu, e para expandiram seus territórios, cobiçaram as vastas terras indígenas e lançaram milhares de ataques a tribos indígenas, massacrando lideranças, guerreiros e até civis, e tomando as terras para si.

Em 1862, os Estados Unidos promulgaram o Homestead Act (Ato de Propriedade), que estabelecia que todo cidadão US acima de 21 anos, com uma mera taxa de registro de 10 dólares US, poderia adquirir até 160 acres (cerca de 64,75 hectares) de terra no oeste . Atraídos pela terra, os brancos invadiram as áreas indígenas e iniciaram um massacre que resultou na morte de milhares de nativos.

Líderes do governo dos Estados Unidos da época, afirmavam abertamente que a pele dos nativos podia ser arrancada para fazer botas de cano alto, que os indígenas deviam ser aniquilados ou levados a lugares aonde ninguém iria, que tinham que ser exterminados rapidamente e que só índios mortos são índios bons. Os soldados US viam a matança de nativos como natural, até mesmo uma honra, e não descansariam até que todos fossem mortos. Retórica de ódio e atrocidades semelhantes abundam e estão bem documentadas em muitas monografias de extermínio de nativos americanos.

2. Massacres sangrentos e atrocidades

Desde que os colonos colocaram os pés na América do Norte, caçaram, maciçamente e sem consciência de manejo sustentável, os bisontes americanos. Sistemática e extensivamente, cortaram a fonte de comida e subsistência básica dos indígenas, causando sua morte, por fome, em grande número.

Um colono, em 1874.
Cercado por corpos do povo Crow,
mortos e escalpelados.

As estatísticas revelam que, desde sua independência em 1776, o governo dos EUA lançou mais de 1.500 ataques contra tribos indígenas, massacrando os índios, tomando suas terras e cometendo inúmeros crimes. Em 1814, o governo dos Estados Unidos decretou que daria de 50 a 100 dólares para cada crânio indígena entregue. O historiador US Frederick Turner reconheceu em The Significance of the Frontier in American History (A Importância da Fronteira na História Americana), lançado em 1893, que cada fronteira foi vencida por uma série de guerras contra os índios.

A Corrida do Ouro na Califórnia também provocou o Massacre da Califórnia. Peter Burnett, o primeiro governador da Califórnia, propôs uma guerra de extermínio contra os nativos americanos, desencadeando crescentes apelos pelo extermínio dos indígenas no estado. Na Califórnia, nas décadas de 1850 e 1860, um crânio ou couro cabeludo indígena valia 5 dólares, enquanto o salário médio diário era de 25 centavos. De 1846 a 1873, a população indígena na Califórnia caiu de 150.000 para 30.000. Inúmeros índios morreram como resultado das atrocidades. Alguns dos principais massacres incluem:

- Em 1811, as tropas US derrotaram o famoso chefe indígena Tecumseh e seu exército na Batalha de Tippecanoe, incendiaram a capital indígena, Prophetstown, e cometeram massacres brutais.

- De novembro de 1813 a janeiro de 1814, o Exército dos EUA lançou a Guerra Creek contra os nativos, também conhecida como Batalha de Horseshoe Bend. Em 27 de março de 1814, cerca de 3.000 soldados atacaram os índios Creek em Horseshoe Bend, Território do Mississippi. Mais de 800 guerreiros Creek foram massacrados na luta e, como resultado, a força militar dos Creeks foi significativamente enfraquecida. Sob o Tratado de Fort Jackson assinado em 9 de agosto do mesmo ano, os Creeks cederam mais de 23 milhões de acres de terra ao governo federal dos Estados Unidos.

- Em 29 de novembro de 1864, o pastor John Chivington massacrou nativos em Sand Creek, no sudeste do Colorado, devido à oposição de alguns indígenas à assinatura de um acordo de concessão de terras. Foi um dos mais notórios massacres de nativos americanos. Maria Montoya, professora de história na Universidade de Nova York, disse em uma entrevista que os soldados de Chivington escalpelaram mulheres e crianças, decapitaram-nos e os desfilaram pelas ruas após seu retorno a Denver. James Anaya, ex-relator especial da ONU sobre os direitos dos povos indígenas, apresentou seu relatório após uma visita aos Estados Unidos em 2012. Segundo relatos dos descendentes das vítimas do Massacre de Sand Creek, em 1864, cerca de 700 soldados US armados invadiram e atiraram contra pessoas Cheyenne e Arapaho que viviam na Reserva Indígena Sand Creek, no Colorado. Relatos da mídia mostraram que o massacre resultou na morte de 70 a 163 pessoas entre os mais de 200 membros da tribo. Dois terços dos mortos eram mulheres ou crianças, e ninguém foi responsabilizado pelo massacre. O governo dos EUA chegou a um acordo de compensação com os descendentes tribais, que, no entanto, não foi pago até hoje.

Wounded Knee:
Vala comum para os Lakota massacrados.
A maioria, idosos, mulheres e crianças.
Até hoje os 20 soldados assassinos
são oficialmente considerados heróis pelo 
governo dos EUA.

- Em 29 de dezembro de 1890, perto de Wounded Knee Creek, em Dakota do Sul, as tropas US dispararam contra os índios, matando e ferindo mais de 350 pessoas, a maioria crianças, mulheres e idosos, de acordo com o Registro do Congresso dos EUA. Após o Massacre de Wounded Knee, a resistência armada indígena foi amplamente reprimida. No entanto, cerca de 20 soldados US foram homenageados pela sua covardia e receberam a Medalha de Honra.

- Em 1930, o Bureau de Assuntos Indígenas dos EUA começou a esterilizar mulheres indígenas, por meio do programa Indian Health Service (Serviço de Saúde Indígena). A esterilização era realizada sob pretexto de proteção da saúde das mulheres nativas e, em alguns casos, até mesmo sem o conhecimento das mulheres. As estatísticas sugerem que, no início da década de 1970, mais de 42% das mulheres indígenas em idade reprodutiva foram esterilizadas. Isso resultou na quase extinção de muitas pequenas tribos. Em meados de 1976, aproximadamente 70.000 mulheres indígenas já haviam sido esterilizadas à força.

3. Expansão para o Oeste e migração forçada

Em seus primeiros dias, os Estados Unidos consideravam os povos indígenas como entidades soberanas e lidavam com elas em terra, comércio, justiça e outras questões, em grande parte através de tratados negociados e, ocasionalmente, através da guerra. Em 1840, os Estados Unidos haviam concluído mais de 200 tratados com várias tribos, a maioria dos quais eram tratados desiguais que foram alcançados sob pressão militar e política dos EUA e através de engano e coerção, estabelecendo obrigações e limites apenas para os indígenas. Os tratados foram usados como uma ferramenta primária para tirar proveito das nações indígenas.

Prisioneiros Washita.

Em 1830, os Estados Unidos aprovaram a Indian Removal Act (Lei de Remoção de Índios), que marcou a institucionalização da realocação forçada de nativos no país. A lei privou legalmente os povos indígenas do direito de viver no leste dos Estados Unidos, forçando cerca de 100.000 nativos a se mudarem para o oeste do rio Mississippi, saindo de suas terras ancestrais no sul. A migração começou no calor do verão e continuou durante o inverno com temperaturas abaixo de zero. Caminhando 16 milhas a cada dia, milhares morreram ao longo do caminho, como resultado de fome, frio, exaustão ou doença e peste. A população indígena foi dizimada, e a migração forçada tornou-se um "rastro de sangue e lágrimas". As tribos que se recusaram a se mudar foram reprimidas pelo governo dos EUA através de forças militares governamentais, despejo forçado e até mesmo massacre.

Em 1839, antes de o Texas se juntar aos Estados Unidos, o governo US exigiu que os índios residentes ali, se retirassem imediatamente, ou enfrentassem toda a destruição de suas posses e o extermínio de suas famílias. Um grande número de Cherokees que se recusaram a cumprir a ordem, foram fuzilados e mortos.

Em 1863, os militares dos EUA realizaram uma política de "terra arrasada" para remover à força a etnia Navajo, queimando casas e plantações, matando gado e vandalizando propriedades. Sob a vigilância do exército, os Navajos tiveram que caminhar várias centenas de quilômetros até uma reserva no leste do Novo México. Mulheres grávidas e idosos que ficaram para trás foram sumariamente fuzilados.

Crânios de bisões.
As manadas de outrora, fonte sustentável
de alimento para os nativos,
dizimadas em poucos anos.



Em meados do século 19, quase todos os indígenas em terras US foram levados para o oeste do rio Mississippi e forçados pelo governo dos EUA a viver em reservas.

De acordo com o escrito no The Cambridge Economic History of the United States, como resultado da expulsão forçada, pelo governo dos Estados Unidos, dos últimos índios no leste, apenas um número muito pequeno de nativos que eram cidadãos individuais da nação indígena, ou aqueles indígenas individuais que se esconderam durante a expulsão forçada, permaneceram na região.

Infelizmente, para esconder este lado da história, os historiadores dos EUA muitas vezes glorificam a expansão para o oeste como a busca do povo US pelo desenvolvimento econômico na fronteira ocidental, alegando que acelerou a melhoria da democracia US, impulsionou a prosperidade econômica e contribuiu para a formação e desenvolvimento do espírito nacional US. E não fazem menção ao massacre brutal de nativos americanos.

Na verdade, foi depois da Expansão para o Oeste que a legítima civilização nascente nas Américas foi destruída, e os indígenas, uma das muitas grandes raças humanas, enfrentaram a extinção completa.

4. Assimilação forçada e extinção cultural


Para defender os atos injustos do governo dos EUA, alguns estudiosos US, no século 19, alardearam a dicotomia de “civilização versus barbárie” e retrataram os nativos americanos como um grupo selvagem, mau e inferior. Francis Parkman, um famoso historiador US do século 19, chegou a afirmar que o índio americano “não aprenderá as artes da civilização e ele e sua floresta devem perecer juntos”.

George Bancroft, contemporâneo de Parkman e outro conhecido historiador US, também afirmou que, em comparação com os brancos, os nativos americanos eram “inferiores em razão e qualidades morais”, acrescentando que “nem essa inferioridade é simplesmente ligada ao indivíduo; está ligado à organização e é a característica da raça”. Tal tentativa de justificar a pilhagem colonial, rebaixando os indígenas, nada mais é do que uma discriminação racial (racismo).

Nas décadas de 1870 e 1880, o governo dos Estados Unidos adotou uma política mais agressiva de “assimilação forçada” para obliterar o tecido social e a cultura das nações indígenas. O objetivo central da estratégia era destruir a afiliação de grupo original, bem como a identidade étnica e familiar dos nativos, e transformá-los em uesses individuais, com cidadania US, consciência cívica, e identificação com os valores US dominantes. Quatro medidas foram tomadas para esse fim:

1- Primeiro, privar totalmente as tribos indígenas de seu direito ao autogoverno. Os nativos americanos viveram em unidades tribais familiares ao longo dos anos, e as tribos foram sua fonte de força e apoio espiritual. O governo dos EUA aboliu à força o sistema tribal e lançou os indígenas individualmente em uma sociedade branca com tradições completamente diferentes. Incapazes de encontrar um emprego ou ganhar a vida, os índios tornaram-se economicamente desprovidos, politicamente carentes e socialmente discriminados. Eles experimentaram uma grande dor mental e uma profunda crise existencial e cultural. No século 19, as prósperas tribos Cherokee desfrutavam de uma vida material quase comparável à dos brancos da fronteira. No entanto, com seu direito de autogoverno e seu sistema tribal gradualmente abolido pelo governo dos EUA, a comunidade Cherokee rapidamente declinou e se tornou o grupo mais pobre entre os indígenas.

2- Em segundo lugar, tentando destruir as reservas indígenas por meio da repartição de terras e, finalmente, desintegração de suas tribos e organização familiar. A Lei Dawes (Dawes Act), aprovada em 1887, autorizou o presidente dos Estados Unidos a dissolver reservas indígenas, abolir a propriedade de terras tribais nas reservas originais, e alocar terras diretamente aos índios que viviam dentro e fora das reservas, formando, na verdade, um sistema de privatização da terra. A abolição da propriedade tribal da terra desintegrou as comunidades indígenas americanas e minou seriamente a autoridade tribal. A forma mais elevada de unidade tribal, o tradicional ritual “Dança do Sol” foi considerado “heresia” e, portanto, proibido e banido. A maior parte da terra nas reservas originais foi transferida para os brancos por meio de leilão; os indígenas menos preparados para a agricultura perderam suas terras recém-adquiridas como resultado de fraudes, entre outras razões, e suas vidas se deterioraram a cada dia.

3- Terceiro, tomar medidas para impor totalmente a cidadania US aos indígenas. Os nativos americanos que foram identificados como mestiços tiveram que desistir de seu status tribal. Outros foram simplesmente “destribalizados”, o que prejudicou muito sua identidade indígena.

Alunos indígenas forçados
Carlisle Indian Industrial School
Pensilvânia (c. 1900)
4- Quarto, erradicar o senso de comunidade e identidade tribal dos índios, adotando medidas restritivas sobre educação, língua, cultura e religião, mais uma série de políticas sociais. Começando com a Lei do Fundo de Civilização (Civilization Fund Act), de 1819, os Estados Unidos estabeleceram ou financiaram internatos em todo o país e forçaram as crianças indígenas a frequentá-los. De acordo com um relatório da National Native American Boarding School Healing Coalition, houve um total de 367 internatos nos Estados Unidos. Em 1925, 60.889 crianças indígenas foram forçadas a frequentar esses internatos. Em 1926, 83% das crianças indígenas estavam matriculadas. O número total de alunos matriculados ainda não está claro até hoje. Guiados pela ideia de “Mate o índio, salve o homem”, os Estados Unidos proibiram as crianças indígenas de falar sua língua nativa, vestir suas roupas tradicionais ou realizar atividades tradicionais, apagando assim sua língua, cultura e identidade em um ato de genocídio cultural. As crianças sofreram imensamente na escola e algumas morreram de fome, doenças e abuso. Isso foi seguido por uma política de “cuidados adotivos forçados” — as crianças eram colocadas à força sob os cuidados de brancos, o que era uma continuação da política de assimilação e negação da identidade cultural. Essas práticas não foram proibidas até 1978, quando a Lei Indígena de Bem-estar Infantil (Indian Child Welfare Act) foi aprovada. Ao aprovar a Lei, foi reconhecido no Congresso que um gigantesco número de crianças indígenas havia sido removido para famílias e instituições não indígenas, sem permissão, resultando na separação e desintegração dessas famílias.

Cohit Songwi,
menina Tewa do Pueblo Nambé.
Novo México, 1905

Como disseram historiadores renomados, com a assimilação forçada, uma das coisas mais desprezíveis da história dos Estados Unidos atingiu seu ápice.
Este foi talvez o capítulo mais infeliz da história indígena de todo o continente americano.

(continua na parte 2, Os indígenas dos Estados Unidos permanecem em grave crise de sobrevivência e desenvolvimento)

FONTES BIBLIOGRÁFICAS: Ver parte 3






segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

AI ou SC?

JIVA 6: Apuy & Yauaretê
© céu d´ellia


Enquanto rola o delírio e só se fala de Inteligência Artificial, estou lendo todas as teses dos antropólogos Yepamahsã, preparando uma nova visita para eles na Amazônia, e continuando a estudar Vedanta, através, principalmente dos Upanishads e da prática de Altas Kriyas em meditação...


Meu babado não é Inteligência Artificial.


É Consciência Espiritual.

terça-feira, 24 de janeiro de 2023

Estou descartando simplismos engajados

Deixei de perder meu tempo fazendo comentários e posts em Facebook, Instagram e coisas assim.
Twitter, felizmente, nunca nem entrei.

Estou descartando simplismos engajados, promotores de ódio, a serviço de interesses sombrios, pra discutir situações complexas.

2023 jan 24

quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

O tempo vento

Poxa! Já faz cinco anos que não escrevo nada novo nesse blog!


Mudando isso agora: - Maomenu.

Céu,

Piratininga de Pyndorama,
Ano da Graça de 2023, 11 de janeiro continua lindo, alô alô Seu Chacrinha, eles venceram e o sinal está fechado para nós que somos o que somos.
.

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Escatologia Cósmica

Meu primeiro curta metragem experimental (Adeus) já é bem antigo. Foi feito em uma época que não tinha ainda como usar computador e tudo era muito caro. Fiz todo a mão e com dinheiro que ganhava trabalhando duro com publicidade. Não tinha nenhum tipo de verba pública na época, para animação. Demorou muitos anos para concluir, mas valeu a pena. Na época que lancei (1988) foi muito polêmico, mas vinte anos depois a crítica internacional escolheu como um dos 25 mais importantes curtas brasileiros de todos os tempos. Na lista de 25 filmes, só tem duas animações, meu filme Adeus e El Macho do Ennio Torresan.

Filme experimental, pra mim, é para pesquisar, para ir fundo em questões simbólicas e de linguagem. Não é pra repetir coisas feitas pelos outros ou, pior, fazer discurso "lacrador" clichê. 

Adeus é todo baseado em formas humanas e derivados das formas humanas. Só tem um objeto "fabricado" e é justamente uma privada. A privada tem um conteúdo simbólico arquetípico. Estranhamente é uma referência escatológica cósmica, uma porta interior para o que não podemos controlar e nos controla. Não a toa a cena que resume o filme cult Zabriskie Point, do Antonioni, é a explosão de uma privada. A privada é o símbolo da tentativa de controlar, de civilizar, enfim, de se tornar hipócrita. Ao mesmo tempo é o lugar do fantasma da intimidade, do exposição do delírio interior.

Ah sim, passei aqui também para dar um recado:
- O fim está em Ascendência reta 3h 47m 24,00s , Declinação +24
° 7′ 00,0″, Distância 391-456 anos luz (120-140 parsecs). Entre em Alcyone e siga reto (até o final, claro).


Céu, 18 09 12, Terra de Piratininga, Pindorama.










quarta-feira, 2 de maio de 2018

The Lijmspray Hunt

December the 26th, 2017
The old brave artist is hunting in the wild fields of Flandres, between Aalter and Ruiselede.
He knows that the best time for a hunt is early in the morning, but he spent the early hours having coffee with croissants. The lazy bastard: Now is almost noon.
He is hunting adhesive spray (indigenous people call it here "lijmspray"). The old artist battled in the Presentations Wars of the 70's & 80". He is an old veteran that believes in the power of presentations on cardboard paper. He still denies the digital age, the pathetic geezer.

segunda-feira, 23 de abril de 2018

Nada é mais reacionário do que não ter olhos nas pessoas que vivem no presente.


America in the eyes of an Alien O1:
#008 Holiday for the end of all wars

(autor: Céu D'Elia, 2017-2018)


Nada é mais reacionário do que não ter olhos nas pessoas que vivem no presente.

- Ei, você aí, brasileirx espertinhx, que CRÊ fielmente que a sociedade pode ser dividida em esquerda e direita, uma teoria criada na Europa, por homens brancos. Já percebeu que na verdade seu cérebro está colonizado? Que você foi catequizadx, xuxu?

Então, como um país pode se achar independente, se nem mesmo intelectualmente ele é livre?  
Descolonize sua mente.  
Quando o Brasil começar a pensar por conta própria, a gente retoma essa conversa.


Céu, Planeta Terra, 22 de Abril de 2018.

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

TOP DEZ longas de animação (que acabaram virando ONZE)


Na edição do Anima Mundi 2017 em São Paulo, fui apresentado a um dos artistas que mais admiro, Michael Dudok de Wit, o criador do longa animado A Tartaruga Vermelha.
A oportunidade foi fruto do trabalho da equipe do festival, encabeçada pelos seus quatro diretores, Léa Zagury, Marcos Magalhães, Cesar Coelho e Aída Queiroz. Há 25 anos que eles tem criado milhares de momentos legais como esse.

Muchísimas gracias, Anima Mundi.

Trocando figurinhas com Dudok, debaixo da tela prateada
Esse encontro me motivou a postar aqui a minha lista dos dez longa metragens de animação que mais gostei até hoje, que mais me impactaram. Fazer um longa de animação decente é uma coisa muito complicada. Bem mais difícil do que produzir um curta de animação ou um longa live action. Porque é muito fácil perder o foco, se atrapalhar com o ritmo e perder a noção do todo. Acertar um longa exige acertar tantas variantes ao mesmo tempo, trabalhando durante um período de tempo tão longo, que é quase mais uma questão de sorte, do que conhecimento. Quase, mas não. Por detrás de cada um destes longas que coloquei na minha lista tem raros artistas extremamente dedicados, inteligentes e profundos.

E você? Tem uma lista também? Tem algum filme que não poderia ficar de fora? Saia das sombras! Use o espaço de comentários, logo abaixo, e manifeste-se.

Coloquei na ordem cronológica em que foram lançados. Não acho que nenhum deles é melhor do que o outro. Fiz um esforço danado pra ficar em apenas 10. Mas no final, tive de me render a que não dava pra deixar um décimo-primeiro de fora. Confira:


1- Dumbo, 1941, produzido por Walt Disney, supervisão de direção por Ben Sharpsteen

O próprio Walt Disney, após produzir e dirigir de perto seus três primeiros longas, um mais ambicioso do que o outro, ficou aturdido com o fracasso de crítica e bilheteria do terceiro filme, Fantasia. Assim que o quarto longa da produtora, Dumbo, era um filme muito mais simples, com duração e verba menores. Mas com uma equipe afiada e super bem preparada. Disney encarregou Sharpsteen de dirigi-lo, com a colaboração de Norman Ferguson, Wilfred Jackson, Jack Kinney, Bill Roberts e John Elliotte, como diretores de sequência. Além disso a contribuição principal para o sucesso da história foi da dupla Joe Grant e Dick Huemer, que adaptaram para as telas o livro infantil de Helen Aberson, ilustrado por Harold Pearl. O story board foi dirigido por Otto Englander, com as participações de Bill Peet, Aurelius Bataglia, Joe Rinaldi, Vernon Stallings e Webb Smith. Ou seja, uma ENORME equipe trabalhou junta para imaginar e dirigir o filme, uma estrutura de direção quase coletiva.

Algumas das razões pelas quais coloco este filme na minha lista:

- É uma história bem bolada, com uma mensagem muito legal para as crianças. E para todo o público.
- Um elefante-bebê que voa cujo melhor amigo é um camundongo: Essa premissa é genial.

- Os personagens são simples mas muito bem construídos. E Dumbo, mudo, se expressa maravilhosamente através de ações. Ao contrário da maioria das animações produzidas atualmente pela Disney, Dreamworks, Pixar, Laika, Sony e Blue Sky, com esses personagens chatos que não param um segundo de falar.
- Até onde sei é a primeira vez que se usa, em um longa, aquele que virou o maior clichê da animação: A separação dos pais (no caso, só da mãe). E fizeram isso de uma maneira inteligente, intrigante e que se resolve muito bem no final, para alívio psicológico das crianças: - O que é fundamental, se você respeita o público, quando se propõe a incentivar que seu filme seja visto por toda a família.
- Animações insuperáveis. Destaque para a sequência dos Corvos (que acabou virando polêmica, porque alguns extremistas acharam que é racista), e para o sonho etílico de Dumbo e seu amigo, o camundongo Timothy. Hoje, com a ditadura do politicamente correto, nenhuma dessas duas sequências seria produzida novamente. E destaque, principalmente, para uma das melhores animações da história do cinema, o encontro de Dumbo com a Mãe, presa. Obra do genial Bill Tytla, um dos mais incríveis animadores de todos os tempos.



2- Bambi, 1942, produzido por Walt Disney, supervisão de direção por David Hand

Assim como em Dumbo, Walt Disney deixou a equipe mais livre para dirigir o filme. A direção foi supervisionada por David Hand, com os diretores de sequência James Algar, Sam Armstrong, Graham Heid, Bill Roberts, Paul Satterfield e Norman Wright. A história é baseada em uma novela do escritor austríaco Felix Salten. Foi adaptada para as telas por Larry Morey, direção de story board de Perce Pearce, com a colaboração de Vernon Stallings, Mel Shaw, Carl Fallberg, Chuck Couch e Ralph Wright. Mais uma vez demonstrando que, ao contrário da figura do diretor gênio solitário, o que pode funcionar melhor em longas de animação é o trabalho conjunto, supervisionado por um diretor, mas não um tirano.
Eu costumo dizer que Bambi está para a animação, assim como Rocco e Seus Irmãos, de Visconti, está para o cinema: - Um filme para assistir de joelhos.
Por outro lado, um dos exemplos mais gritantes da decadência dos estúdios Disney é a sequência de Bambi, Bambi II, produzida em 2006. A Disney, de um estúdio de artistas, virou, do final do século XX e até hoje, uma salsicharia de consumismo comandada por advogados e executivos gananciosos. Bambi II é um filme ruim, sem imaginação e que só serviu para demonstrar que os tempos são outros: o único desafio da mega-empresa é fazer seus executivos bilionários ganharem mais dinheiro.

Algumas das razões pelas quais coloco o primeiro (e deveria ser único) Bambi na minha lista:

- Foi a primeira vez em um longa metragem de animação que estudou-se profundamente o movimento dos animais, para criar cenas que não eram meras cópias do movimento, mas interpretações estilizadas. Um dos melhores exemplos disso é a sequência de Bambi aprendendo a andar no gelo, com a engraçadíssima colaboração do coelho Tambor. Originalidade, tridimensionalidade, humor, precisão, leveza. A lista de adjetivos para este trabalho do artista Frank Thomas é infindável. Consta que a sequência ia ser cortada, por causa da complexidade, e que Thomas teria trabalhado nela nos horários de folga, para convencer os produtores a mantê-la no filme. Isso é amar o que se faz.
- A direção dramática, que elegante e precisamente constrói a morte da mãe de Bambi, através de sinais sutis e ausências. Assim como a própria floresta, o que não se vê, o que está escondido, é que constrói a experiência do ambiente, da vida.
- Um filme visualmente leve, transparente, quase que flutua. Tudo é delicado: animação, visual, música. Muitos artistas contribuíram para isso, mas não se pode deixar de destacar o chinês Tyrus Wong. Seus estudos conceituais, a pastel e crayon, foram um dos principais pilares para o visual espiritual de toda a obra.
- Uma mensagem ecológica impactante e inovadora, ainda mais considerando o ano em que foi lançado. 
- O filme, e isso é mérito principalmente do livro que o originou, é uma experiência metafísica. Através de animais selvagens se desenrola a metáfora da vida e da conquista interior da alma. O homem é o irracional, que não tem consciência de nada disso e quer apenas possuir, através da destruição.


3- Planeta Selvagem (La Planète sauvage), 1973, dirigido por René Laloux, adaptação de Roland Topor de novela de Stefan Wul (Oms em série)

Eu queria que minha lista tivesse apenas dez filmes. Mas depois de quebrar a cabeça um tempo, a lista estava com onze. Pra ficar em dez, resolvi tirar justamente este filme,  Planeta Selvagem. E publiquei no Facebook, só a lista de títulos, sem todos estas explicações deste post. Marcos Magalhães do Anima Mundi logo veio perguntar: - E o Planeta Selvagem? 
É... Melhor fazer uma lista de 10 com 11, do que excluir esta obra seminal de Laloux e Topor. 
Seminal é um bom adjetivo para este filme que, quando foi lançado, abriu os olhos e as cabeças de muitos artistas da animação. O Submarino Amarelo, lançado cinco anos antes, já tinha quebrado alguns paradigmas. Mas não tinha a coerência e precisão narrativa e estética do Planeta Selvagem (também conhecido como Planeta Fantástico)
O filme foi animado nos estúdios em Praga de outro gigante da animação, Jiří Trnka. Os desenhos, que mantém fielmente o estilo gráfico de Roland Topor, foram feitos em papel e recortados manualmente, para serem sobrepostos aos cenários.

Algumas das razões pelas quais coloco este filme na minha lista:

- Apesar da simplicidade da animação, o filme é exuberante e envolvente. A mesma coisa se dá com os cenários e mesmo com os grafismos. Existe uma simplicidade, e às vezes até um certo vazio na cena. Mas toda essa aparente aridez torna-se um elemento da narrativa, integrando-se à obra.
- O estilo visual, que até então via-se apenas em curtas-metragens autorais, mudou a crença de que animação desenhada só funcionaria em longas metragens, se seguisse os cânones dos filmes pintados em acetato. Quando o filme foi lançado, já parecia um clássico. Há um misto de antigo e futurista no design, que dá a impressão de que o filme é um peça arqueológica encontrada no futuro, e que nunca vai envelhecer.
- A adaptação do livro de Stefan Wul desce redonda. A história não tem uma cena a mais ou a menos. Está contada exatamente com todos os elementos que precisa. Algumas cenas aparentemente fora da linha narrativa, como as que mostram as inquietantes criaturas monstruosas se entredevorando, ajudam a pontuar a passagem do tempo, enquanto reforçam a atmosfera surreal de Ygam, o planeta dos Draags.
- É merito do livro, mas Lalox soube manter no filme: Uma interessantíssima reflexão sobre a condição humana, sua natureza, comportamento, organização social e política.
- O final seco, sem nenhuma conclusão moral. Como se dissesse: - O que importa deste filme são os fatos que foram narrados. A consequência do desenrolar dos fatos não é importante, mas sim como os personagens agiram no momento em que tiveram sua oportunidade de participar da história. As pessoas são suas atitudes e não suas conquistas.


4- Allegro Non Troppo, 1976, produzido e dirigido por Bruno Bozzetto 

É o quarto longa metragem de Bozzetto. As obras anteriores ainda eram fortemente marcadas pela influência do estilo UPA, que dominou a animação a partir de meados dos anos 50. Mas este filme, que mescla animação e live action, e é uma paródia à Fantasia, de Disney, tem um estilo gráfico próprio, síntese original da moderníssima ilustração internacional dos anos 60-70. 
As sequências live action, em preto e branco, são uma crítica mordaz aos bastidores da indústria de animação. Contrapõe os artistas, pobres e explorados, contra o empresário e o maestro-estrela, narcisistas e exploradores. Tudo com um humor pastelão, conduzido principalmente pelas atuações de Néstor Garay, como o tirano maestro sádico, e Maurizio Nichetti, como o poeta animador clown.
Em 2013 Bozzeto lançou um curta, Rapsodeus, que segue a mesma linha do longa de 37 anos antes. O curta é tão genial como o longa e poderia ser incluído como sua parte. É quase um discurso-testamento de Bozzetto, que resume o que observou do mundo e qual o sentido que encontrou na vida.


Algumas das razões pelas quais coloco este filme na minha lista:

- Ainda que siga a estrutura de Fantasia, é um filme totalmente original e inovador. Cada uma das sequências trata de forma inteligente e crítica assuntos políticos, sociais e ecológicos. Resgata o que existe de melhor no cartum: a crítica independente, sem filiação ideológica, que atira para todos os lados em que existam hipocrisia e abuso.
- O estilo visual, sintético e único.
- Animação rica, precisa, flúida, mas sem maneirismos. 
- A sátira live action do que se passa no mundo real de uma produção de cinema, ainda que seja exagerada e caricata, ainda é, até hoje, o retrato documental mais fiel do que é verdadeiramente a indústria do entretenimento.
- O filme é cheio de achados. Destacam-se pra mim a emocionante visão da memória afetiva de um gato, com a Valsa Triste, de Sibelius, e a versão da evolução da vida, com o Bolero, de Ravel. Esta última apresenta um mundo em que a vida se origina de um resto de refrigerante, no fundo de uma garrafa de Coca-Cola, largada por um astronauta que parte: Simplesmente genial.
- O melhor fim de um filme de toda a história do cinema: Bergman, você perdeu! 


5- American Pop, 1981, produzido e dirigido por Ralph Bakshi
 
É o sexto longa metragem de Bakshi. Ralph já tinha anos de experiência com séries de TV, quando estreou seu primeiro longa, Fritz the Cat, baseado nos quadrinhos homônimos do autor underground Robert Crumb. Indo completamente na contra-mão dos filmes familiares que, cada um a seu modo, todos os outros produtores americanos faziam, Bakshi estreou seguindo na linha da sátira pesada da sociedade americana: Sexo, drogas, protesto contra o establishment. Esse primeiro filme decola super bem e Bakshi produziu mais dois, já com seus próprios personagens e experiências pessoais: Heavy Traffic e Coonskin. Considerado pela crítica de então, o Coppola da animação, Ralph amarga com Coonskin, ataques de todos os lados. Era o filme mais polêmico de todos e incomodou todo mundo. Para os dois filmes seguintes, ele muda a estratégia: Wizards e O Senhor dos Anéis - Filmes de fantasia, em que a crítica social está presente, mas maquiada com mundos imaginários e seres fantásticos. 
Em O Senhor dos Anéis, Bakshi aprimora a utilização de rotoscopia como técnica matriz das animações. E utiliza essa técnica magistralmente em American Pop, ao mesmo tempo em que volta à carga, contando a história dos Estados Unidos no século XX, através da evolução da música pop. Roteiro de Ronni Kern.

Algumas das razões pelas quais coloco este filme na minha lista:

- Muitos animadores torcem o nariz para a técnica de rotoscopia. Mas neste filme o trabalho dos artistas, reinterpretando graficamente e modulando o timing, demonstra que quando o animador é realmente bom, ele pode ser bastante criativo, também com esse estilo. Não é a técnica, é o uso que se faz dela.
- A direção, enquadramentos, planos e cortes funcionam extremamente bem. No quesito ritmo cinematográfico, Bakshi manja dos paranauê.
- Os contrapontos entre as músicas e o que se passa nas telas é muito bem sacado. Ao contrário da enorme maioria das animações com música pop, que são meras descrições visuais que acompanham a letra. Há o tempo todo uma suspensão, um vazio entre o desejo poético expresso na canção e a dureza dos fatos da vida dos personagens. O filme expressa com precisão a permanente ansiedade em que vivem as pessoas.
- A sequência do cortejo fúnebre da cantora Frankie, diante de um Tony demolido, ao som de Summertime, de Gershwin, na voz de Janis Joplin é matadora. A melhor síntese dos anos do sonho 60-70 que o cinema jamais produziu.
- Toda a forma como o roteiro desvenda a construção dos antecedentes que vão gerar Pete, o último artista da família. Como tudo que ele é, é a consequência do que foi vivido por seus antepassados: gênio.


6- Alice, 1988, dirigido e escrito por Jan Švankmajer

Após 20 curta metragens, produzidos ao longo de quase 30 anos, este é o primeiro longa de Švankmajer. O nome original tcheco, "Něco z Alenky", quer dizer "Algo de Alice" e a história é uma adaptação do livro de Carroll, "Alice no País das Maravilhas". Mas das inúmeras adaptações que esta narrativa encontrou nas telas, apesar do tom inquietante, mesmo sombrio, talvez esta versão seja a que segue mais literalmente a ação do texto original. Švankmajer queria que o filme se parecesse com um sonho e certamente logrou seu objetivo.
Alice é interpretada pela menina Kristýna Kohoutová. Se você já leu o livro original, deve ter percebido que Alice não é nenhuma Poliana saltitante. É uma menina inquieta, em conflito interior, perdida em um mundo instável e pertubador. E assim também é a Alice deste filme.

Algumas das razões pelas quais coloco este filme na minha lista:

- Apesar da sensação de incômodo e ausência de lógica narrativa, o filme consegue sustentar a atenção de quem o assiste. Há sempre algo a descobrir, uma surpresa a cada cena. Naturalmente, o espectador que está completamente condicionado pelo modelo de cinema puramente comercial, provavelmente não se interessará por esta obra. Mas qualquer pessoa, com alguma sensibilidade artística, não deixará de se sentir permanentemente provocada.
-  A animação stop-motion é assumida completamente, pelo que é. Ao contrário dos maneiristas filmes recentes da Laika, que utilizam inúmeros recursos digitais para limpar a animação e as imagens de qualquer imperfeição. E a leve estroboscopia, típica desta técnica, favorece ainda mais a sensação de sonho. 
- As marionetes animadas contracenam sempre em seu tamanho real. Não há uma maquete de cenário, para criar a ilusão de outra realidade. O irreal, o onírico, foi conseguido através da manipulação de objetos e bonecos em seus próprios tamanhos.
- Já perdi a conta de quantas adaptações do livro de Carroll assisti. Guardo de algumas, cenas memoráveis. Como a versão produzida por Brian Henson (2001): - Gene Wilder, no papel de Tartaruga Falsa, cantando junto com o Grifo, um muppet da Henson's Creature Shop. Ou algumas cenas do longa da Disney (1951), como as aparições do gato de Cheshire ou o chá com a Lebre e o Chapeleiro. Mas este filme de Švankmajer é o mais íntegro e fiel ao clima de sonho e nonsense do conto original. Ao se recusar a fazer concessões para tornar o filme mais comercial, o autor acabou por conseguir a melhor costura narrativa de todas as versões. 
- Ao contrário da versão desastrada de Tim Burton (2010), em que a personagem de Alice foi distorcida, para se tornar no final uma bem sucedida mulher de negócios (!!!), neste filme Alice é ela mesma, fonte do próprio sonho inquieto em que vive. Todas as interpretações são benvindas. É uma obra aberta, assim como também o é o livro que a inspirou.


7- Cemitério dos Vagalumes (Hotaru no Haka), 1988, filme do estúdio Ghibli, dirigido por Isao Takahata e adaptado de um conto de Akiyuki Nosaka

Isao já tinha atrás de si uma extensa carreira, no cinema e na TV, quando dirigiu este filme, seu primeiro para o estúdio Ghibli. Graduado em literatura francesa em 1959, e vivendo de animação, desde que começou no estúdio Toei, naquele mesmo ano. 
Dirigiu seu primeiro longa, - Hórus, Príncipe do Sol -, em 1968, vinte anos portanto, antes de Cemitério dos Vagalumes.
O conto de Akiyuki, semi auto-biográfico, é a trágica história de duas crianças, irmãs, que tentam sobreviver, orfãs, em meio aos escombros de um Japão assolado pela segunda guerra mundial. É uma realidade crua e triste, e este provavelmente é o filme mais duro já produzido em animação.
Takahata praticamente não desenha mais e, motivado por sua formação em literatura, é um diretor focado especialmente na narrativa dramática e construção dos personagens.


Algumas das razões pelas quais coloco este filme na minha lista:

- Nunca imaginei que eu pudesse ser tão emocionalmente impactado por um filme de animação. O filme me engoliu do começo ao fim e as lágrimas caíram sem parar.
- Uma história totalmente realista e que quebra completamente a convenção de que roteiros de animação são para tratar de fantasias ou representações metafóricas. Um roteiro que não se parece nada adequado para animação, mas que por isso mesmo tornou esse filme uma experiência totalmente singular.
- A direção de Takahata é simplesmente brilhante. As cenas acontecem de forma simples e quase discreta, mas a cada evento somos surpreendidos e nos perguntamos se realmente estamos vendo o que estamos vendo.
- A relação amorosa dos dois irmãos, cercada de indiferença e frieza, formou um nó dentro do meu peito, que cresceu até a garganta. Tanto amor, no meio de um deserto. Impressionante.


8- Princesa Mononoke (Mononoke-Hime), 1997, filme do estúdio Ghibli, escrito e dirigido por Hayao Miyazaki

Metade dos filmes que escolhi foram produzidos pela Ghibli. Em um deles, -A Tartaruga Vermelha- , a participação foi parcial. Mas mesmo assim, é inegável a marca que esse estúdio imprime na animação dos últimos 30 anos. É a grande referência. E não dá para falar de Ghibli, sem falar de Miyazaki. Todos os filmes dele são excepcionais, até mesmo aqueles em que ele participou de forma menos autoral. 
Mononoke é o sétimo longa dirigido por ele, que então também já acumulava vasta experiência com séries de tv, tendo iniciado sua carreira em 1963, como intervalador nos estúdios Toei. É portanto já um artista bastante maduro. E bem sucedido. Quando realizou esta obra, já era aclamado em todos os lugares do mundo, e suas obras, esperadas com ansiedade. 
O filme bateu recordes de bilheteria no Japão e foi muito bem na Europa e outros países. Nos EUA, onde Hayao ainda não era totalmente conhecido, teve uma presença fraca na telona, mas foi bastante bem na venda de DVDs. Marcou finalmente sua entrada nos Estados Unidos, esse que é o maior mercado do globo, mas também o mais fechado a produções estrangeiras.

Algumas das razões pelas quais coloco este filme na minha lista:

- O roteiro é bastante complexo, mas mesmo assim a narrativa é bastante clara. Os personagens são todos muito interessantes, psicologicamente ricos. Afora o protagonista, Ashitaka, todos os outros poderiam ser vilões. Mas fica claro que existe uma justificativa para todos e que o drama está muito além das construções maniqueístas pobres da maioria dos longas de animação. Até mesmo Mononoke, que dá título ao filme, é um personagem ambíguo e raivoso. 
- Ashitaka é realmente um herói muito legal. Heróico, mas humilde, compassivo. Se não fosse a doença que o impeliu a deixar sua pequena vila, passaria o resto da vida, muito bem, protegendo os camponêses. Não tem delírios de grandeza. Grande é sua alma.
- Uma das sequências mais lindas (e copiadas) do cinema de animação: O surgimento e morte do Espírito da Floresta. Acompanhamos com total atenção o misterioso surgimento desse Ser incomparável, misto de beleza e horror. Nos surpreendemos com sua decapitação e passamos a torcer, confusos, por algum milagre. E então entendemos que o milagre já estava acontecendo. Não a toa a sequência inspirou tantas outras, mais ou menos semelhantes, em outros longas. Como as cenas de conclusão de A Canção do Oceano (Tomm Moore, 2014) ou Moana (Disney, 2016).
- Os filmes de Miyazaki sempre são uma reorganização dos mesmos ítens: Elementos e personagens que voam, gigantes que tombam, protagonistas estigmatizados, criancinhas e pequenos seres mimosos e inquietos, estruturas sociais e deveres que engolem todos os personagens... Confirma-se a afirmação de Federico Fellini, de que os diretores sempre refilmam o mesmo filme. O sucesso portanto não está nos ingredientes, mas na forma como você cozinha com eles. Neste filme Miyazaki conseguiu o ponto ideal de tudo aquilo que vinha experimentando em todos os seus filmes anteriores. Inclusive projetos abortados, como a adaptação de Rowlf, de Richard Corben, que tem muitos elementos coincidentes com os de Mononoke.
- Uma história de fundo ambiental, com mensagem ecológica, que não é chata, óbvia. Miyazaki não é simplista, como a maioria dos filmes que querem ser politicamente corretos, com suas mensagens simplórias que culpam o capitalismo ou a indústria. Ele coloca uma série de valores humanos em curso de colisão e, é otimista, ao apontar a salvação através do amor e da ética individual, e não na vitória maniqueísta de um "supra-bem" irreal.


9- A Viagem de Chihiro (Sen to Chihiro no Kamikakushi/ Spirited Away), 2001, filme do estúdio Ghibli, escrito e dirigido por Hayao Miyazaki

Este filme, até agora, é o único longa metragem de animação não-americano que conseguiu vencer o hermético sistema de votação da Academia de Hollywood, sendo premiado com o Oscar de Melhor Longa de Animação de 2002. Miyazaki e Kurosawa são os dois únicos diretores japoneses que receberam o Oscar Honorário, pelo conjunto da obra. Isso não quer dizer que Miyazaki seja o melhor de todos os cineastas de animação fora dos EUA. Dar importância demais ao Oscar é desconhecer os mecanismos de marketing do cinema americano, e ser um tanto provinciano. Por outro lado, o crítico americano Roger Ebert, não poupa elogios a Miyazaki, que, sim, o considera o maior cineasta de animação de todos os tempos. Pessoalmente, acho esse tipo de comentário de Ebert MUITO relativo. 
Chihiro foi o primeiro longa metragem da Ghibli a utilizar animação CG em algumas das cenas.
Hayao desenvolveu este filme pensando especificamente em algo dirigido a meninas de 10 anos de idade. O resultado é um trabalho típico do gênero "enredo de amadurecimento": O rito de passagem da infância para a maturidade. Não por acaso o nome original, Kamikakushi, quer dizer "escondido pelos deuses". Refere-se a um termo folclórico japonês que trata daquilo que desaparece, morre, para ressurgir transformado, de novo, para a sociedade.


Algumas das razões pelas quais coloco este filme na minha lista:

- Um dos elementos recorrentes dos filmes de Miyazaki são cenas em que os personagens parecem não estar fazendo nada. Como se estivessem simplesmente deixando o tempo passar. Óbviamente que isso não é por acaso. Deliberadamente o diretor utiliza esse "nada" para construir a credibilidade interior dos personagens. Provê-los de "espírito". Paradoxalmente, ao diminuir sua ação, em um filme de animação, dota-os de uma "anima", uma alma. O diretor já falou sobre isso algumas vezes. Chama isso de "vazio" (em japonês, "ma"). Não é um vazio qualquer. É uma pausa de reflexão interior. O momento em que os personagens de seus filmes deixam o tempo passar, enquanto refletem sobre sua própria condição. Em Viagem de Chihiro há uma belíssima sequência, que é um exemplo bem evidente disso: A menina Sen (Chihiro), acompanhada de Sem-Rosto e Bo, e ocasionais fantasmas, sentam-se no trem, que cruza o mar, silenciosamente, por um longo tempo. Um dos momentos mais marcantes do filme. E, curiosamente, nada acontece.
- Assim como em Mononoke, é um filme com uma mensagem ecológica profunda e que não tem nada a ver com os clichês habituais. Trata da questão da Memória e Paisagem, ou, como eu prefiro chamar, da Biofilia: A identidade de Chihiro é resgatada pela memória afetiva que tem de um riacho em que brincava quando era uma criança pequena. O riacho é o lugar onde ela guarda viva a sua integração com a própria vida.
- Inúmeras sequências criativamente marcantes e soberbamente animadas. A luta com Sem-Rosto na casa de banhos é uma delas. A transformação dos pais em porcos e a chegada dos espectros, outra.
- Atmosfera. A direção de arte é sublime. A escolha do menú de cores, os elementos arquitetônicos, cada personagem, cada objeto de cena, a iluminação de cada sequência. É um dos filmes mais cuidadosamente elaborados para criar uma atmosfera realisticamente irreal da história do cinema, animado ou live action.



10- O Conto da Princesa Kaguya (Kaguya-Hime no Monogatari), 2013, filme do estúdio Ghibli, dirigido por Isao Takahata 

Takahata não dirigia nenhum longa desde 1999, quando lançou - Meus Vizinhos, os Yamada - além de participar em alguns projetos especiais. O Conto da Princesa Kaguya demorou quase oito anos para ficar pronto, para inquietação dos investidores. E o diretor tinha 78 anos quando o terminou.
A história é baseada em um antigo conto folclórico japonês, do século X, O Conto do Cortador de Bambú. O roteiro foi desenvolvido pelo próprio diretor, em parceria com a escritora Riko Sakaguchi. Com 137 minutos de duração, pode ser considerado mais longo do que o tempo médio dos longas metragens de animação, que geralmente tem entre 90 e 105 minutos.
É certamente o filme mais ambicioso e apurado da carreira de Takahata, que quis deixar este filme não só como um marco artístico, mas um legado espiritual.


Algumas das razões pelas quais coloco este filme na minha lista:

- É o longa de animação mais bem acabado e desenhado que já assisti. Não há nenhuma cena neste filme que não seja esmeradamente produzida.
- Ao contrário da maioria dos animes, tem um estilo gráfico muito mais refinado e suave, que faz jus à milenar tradição gráfica japonesa. Leve, claro, inteiramente traçado com textura de crayon e pincel, cenários em aquarelas translúcidas e suaves. Uma das críticas que os animes costumam receber, fora do seu nicho de fã-clube, é pela pobreza do estilo gráfico, herdada dos mangas produzidos em grande volume e muito rapidamente. Uma pergunta que se costuma fazer é, -Por que a animação japonesa não continuou evoluindo naquela linha elegante e criativa de filmes como "Príncipe Suzano e o Dragão de Oito Cabeças" (1963), e enveredou para o desenho esquemático e repetitivo? Seja qual for a resposta, este filme de Takahata é um marco na retomada artística visual do anime. Uma belezura.
- São tantas sequências tecnicamente sublimes, que fica até difícil destacar alguma. O último reencontro com Sutemaru, talvez seja o que mais me marcou. Seja pela animação, pela sensação de profundidade de campo, pelo próprio roteiro, pelas emoções, ou mesmo por toda a direção: cada corte e plano sequência se desenrolam e encadeiam com perfeição de timing e edição. De tirar o fôlego.
- O que Takahata e Sakaguchi conseguiram enxergar no conto folclórico original, para desenvolver nas telas, é transcendental. É um filme sobre o intangível e o efêmero. É um filme sobre a bolha de sabão mágica que é a infância, substituída rapidamente pela impossibilidade da felicidade na terra. É um filme sobre o insaciável desejo de posse e a impermanência da vida. Sobre o inefável, manifesto em inconcebível beleza feminina, que não é outra coisa se não a rara pureza da alma.


11- A Tartaruga Vermelha, 2016, dirigido e co-escrito por Michaël Dudok de Wit

É o primeiro longa metragem de Dudok, que já contava 63 anos de idade quando do seu lançamento. O diretor anima comerciais, ilustra livros infantis e leciona animação. Antes desse filme, já tinha alguns curtas realizados, entre eles Father & Daughter (2000), premiado com o Oscar de melhor curta-metragem de animação.

O roteiro do longa foi co-escrito com a diretora e roteirista Pascale Ferran. A produção, de Toshio Susuki, reúne algumas empresas da Europa: Arte France, Belvision, CN4, Prima Linea e Why Not, com a Ghibli, do Japão. Entre diversos prêmios, foi laureado com o "Un Certain Regard", no Festival de Cannes.
A ideia de incentivar o trabalho de Dudok na produção de um novo curta, que finalmente virou um longa, partiu do estúdio Ghibli. A elaboração da obra foi acompanhada de perto por Isao Takahata, ainda que sempre deixando Michaël totalmente livre para trabalhar. 
A concepção final do filme utilizou muitas referências realistas filmadas e fotografadas, mas sem rotoscopia. As referências eram observadas e estudadas, mas não utilizadas como base dos desenhos. O release de divulgação da obra chamou essa forma de trabalhar de animationalytique. Alguns elementos complexos, como a jangada e a tartaturga, foram animados por CG3D.

Algumas das razões pelas quais coloco este filme na minha lista:

- Como em todos filmes desse artista, o espaço vazio (ou negativo) é frequentemente explorado, não só como um elemento estético, mas principalmente narrativo. Da mesma forma, o cenário também é um personagem. O resultado é uma permanente sensação de imensidão, de integração do humano como parte da natureza, e de dimensão espiritual.
- Nenhuma fala, nenhum diálogo. O vazio do espaço se associa ao silêncio de vozes e, ao longo dos 80 minutos de exibição, forma-se dentro do espectador um sentimento de meditação profunda. Este filme é uma missa, um rito sagrado, uma procissão de luz, uma experiência mística.
- É a utilização mais efetiva do estilo ligne claire que jamais ví em uma animação. Quando assisti "Vidas ao Vento", de Miyazaki, pela mesma Ghibli, pensei, especialmente nos planos gerais da sequência do terremoto: - É a ligne claire belga do Tintin, pena que Spielberg optou por aquele hiperrealismo borrachento quando resolveu produzir seu Tintin. Devia ter feito isto aqui. E Dudot escolheu ir por esse caminho, ao invés do estilo com pinceladas largas, que caracterizou todos seus outros filmes. Pelo que entendi de sua apresentação no Anima Mundi, a decisão de animar nesse estilo gráfico foi a melhor forma que encontrou para produzir em escala de longa e manter a leveza de estilo. Seja como for, achei muito bonito.
- Eu sempre espero pelo dia seguinte para saber se gostei mesmo de um filme, ou não. É o dia seguinte que diz pra mim o que eu realmente senti, e o que ficou para mim depois da experiência do filme. Já descobri que gostei de filmes que achei que não tinha gostado. Já me dei conta de que alguns filmes que gostei, não eram grande coisa. Com A Tartaruga Vermelha, fiquei em silêncio mental por quase três dias depois que o assisti. Acho que nada antes me impactou tanto: pela história e pela experiência estética e cinematográfica.
- A integração da animação CG3D com animação hand-drawn é suave e precisa. É preciso conhecer muito bem a técnica de animação para perceber que são estilos tão diferentes, lado a lado.
-  Momentos inesquecíveis. A passagem súbita dos anos. A presença da natureza, reividicando fortemente sua soberania. Os sonhos e lembranças que se confundem com a própria vida.
- A fluizes das animações dos personagens quando estão nas águas. Sente-se a força do empuxo.
- Os contrastes de grandes massas de cores: O imenso mar verde, o infinito céu azul, as extensas praias brancas e as grandes pedras claras, as enormes massas de verde da vegetação.



Bom, é isso. A lista acabou. Seguem alguns comentários adicionais sobre...

Longas em CG3D: É, não entrou nenhum. Você pode pensar que é porque não gosto de CG. Mas não é isso. Aliás, os três últimos filmes da lista tem algumas sequências produzidas em CG3D. O que eu não gosto é de animação que quer "parecer que é de verdade". Não gosto do hiperrealismo, como meta para CG3D. Não só por causa do efeito "uncanny valley". Mas principalmente porque simplesmente não me empolgo com tentativas de reproduzir o real. Eu gosto de arte quando é uma estilização, uma re-interpretação. Algo que se expressa e materializa muito mais como emoção, do que como técnica realista. 
Outra coisa é que todos os filmes CG3D são formulaicos demais. Clichês demais. Frenéticos demais. E tem diálogos demais. Os personagens não param de falar. Mas isso é muito mais uma coincidência do sistema pesadamente comercial em que são produzidos, do que algo inerente ao CG. Ou seja, ainda pode ser que apareça um filme 100% nessa técnica que ganhe meu coração e minha mente.
Mas mesmo assim, eu considerei alguns longas de animação em CG3D que gostei. Não são muitos. Quase Ratatouille entrou na lista. Mas no final, como eu queria ficar em no máximo dez (e olhe que virou onze), a lista ficou sem nenhum.

Longas brasileiros: Não fiz essa lista pensando em países ou nacionalidades. É uma lista do que mais gosto, do que mais me impactou, do que acho que mais contribuiu para a animação como arte, e não uma lição de nacionalismo. Incluiria um filme feito no Brasil, se o filme fosse tão bom quanto os outros, mas não só porque é brasileiro. Minha opinião sobre essa coisa de patriotismo é a mesma de Samuel Johnson: "- O patriotismo é o último refúgio dos canalhas."
Sorry, extremistas. Pardon, populistas.
Amar a terra-mãe é muito diferente de brigar por bandeiras.
Céu, SP Agosto 2017

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